sábado, setembro 30, 2006

O HOMEM E A MULHER (Victor Hugo)

“O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.

O homem é o cérebro.
A mulher é o coração.
O cérebro fabrica a luz,
o coração produz amor.
A luz fecunda,
o amor ressuscita.

O homem é forte pela razão.
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence,
as lágrimas comovem.

O homem é capaz de todos os heroísmos.
A mulher de todos os martírios.
O heroísmo enobrece;
o martírio sublima.

O homem é um código;
a mulher é um evangelho.
O código corrige;
o evangelho aperfeiçoa.

O homem é um templo,
a mulher é um sacrário.
Ante o templo nos descobrimos;
ante o sacrário nos ajoelhamos.

O homem pensa.
A mulher sonha.
Pensar é ter no crânio uma larva.
Sonhar é ter na fronte uma auréola.

O homem é um oceano.
A mulher é um lago.
O oceano possui a pérola que adorna;
o lago, a poesia que deslumbra.

O homem é a águia que voa.
A mulher o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço;
cantar é conquistar a alma.

Enfim, o homem está colocado onde termina a terra
e a mulher onde começa o céu”.

Convivência (desconheço o autor)

Durante uma era glacial, muito remota, quando parte do globo terrestre esteve coberto por densas camadas de gelo, muitos animais não resistiram ao frio intenso e morreram indefesos por não se adaptarem às condições do clima hostil. Foi então que uma grande manada de porcos-espinhos, numa tentativa de se proteger e sobreviver, começou a se unir, a juntar-se mais e mais. Assim, cada um podia sentir o calor do corpo do outro.

E todos juntos, bem unidos, agasalhavam-se mutuamente, aqueciam-se, enfrentando por mais tempo aquele inverno tenebroso. Porém, vida ingrata, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, justamente aqueles que lhes forneciam mais calor, aquele calor vital, questão de vida ou morte. E afastaram-se feridos, magoados, sofridos. Dispersaram-se, por não suportarem mais os espinhos de seus semelhantes. Doíam muito ...

Mas, essa não foi a melhor solução: afastados, separados, logo começaram a morrer congelados. Os que não morreram voltaram a se aproximar, pouco a pouco, com jeito, com precauções, de tal forma que, unidos, cada qual conservava uma certa distância do outro, mínima, mas o suficiente para conviver sem ferir, para sobreviver sem magoar, sem causar danos recíprocos. Assim, suportaram-se, resistindo à longa era glacial. Sobreviveram.

sexta-feira, setembro 29, 2006

A importância de se comunicar...

Comunicar é um fator extremamente importante. Quando temos em mente que a forma com que nos relacionamos com o mundo é uma comunicação, ou seja, que tanto a porta para o crescimento interior, quanto a que existe para a destruição, está na forma com que nos comunicamos, vemos o quão irrelevante tem sido para nós a verdadeira comunicação.

A etimologia da palavra, ou seja, sua origem, nos reporta à idéia de “algo em comum”. Então vejamos: “lat. communìco, ás, ávi, átum, áre 'pôr em comum, dividir, partilhar, ter relações com, comunicar'”. Dentro deste sentido, existe a necessidade de, primeiro, termos algo em comum para que se estabeleça qualquer comunicação. Claro que um idioma é o canal necessário onde este “algo em comum” une duas consciências. O idioma une onde a incompreensão desune. Devemos ressaltar que um idioma não necessariamente, neste caso, deve ser formado de palavras, mas notadamente de idéias, ou melhor, de símbolos através dos quais estas idéias se expressam.

E, neste caso, existe uma gramática utilizável, que ordena a natureza do idioma e torna possível ele ser inteligível para todos que se comunicam. E pode ser que esta gramática somente exista para aqueles que entraram em processo de comunicar-se.

Por este motivo, alguém pode dizer, como já disse o poeta Jaime Sabines: “(...) as melhores palavras do amor estão entre duas pessoas que não se dizem nada”. E mais pra frente, neste mesmo poema (Espero curarme de ti) o poeta escreve: "Deve-se queimar também esta outra linguagem lateral e subversiva do que ama. (Tu sabes como te digo que te quero quando digo: "que calor faz", "me dê água", "sabe dirigir?", "fez-se de noite"...Entre as pessoas, ao lado de suas pessoas e das minhas, eu te disse "já é tarde", e tu sabias que eu dizia "quero-te"). Isso quer dizer que a linguagem pode ser a usual entre todas as pessoas, mas a comunicação se estabelece apenas quando dois seres intrinsecamente possuem algo que os une, pois a verdadeira comunicação se dá através do coração.

Vemos contudo pessoas que se dizem palavras, permanecendo, porém, incomunicáveis umas às outras. As consciências trancadas... Corações sem encontrar o contato necessário... E assim a vida vai passando e as pessoas presas em suas conchas, querendo mudar umas às outras, insistindo que o melhor idioma é o seu, desconhecendo, contudo, que suas palavras funcionam como um martelo na vidraça do outro.

É necessário dizer, também, que existem aqueles que se comunicam através do coração. Que apenas o movimentar dos olhos é o suficiente para se expressar além da insipidez do cotidiano. Que o encontrar coisas em comum trata-se, na realidade, do verdadeiro crescimento, onde os preconceitos são abandonados em benefício do próximo, e a pedra bruta vem, devagarinho, sendo lapidada. Pessoas em que sua comunicação se estabelece pelo Alto, porque sabem cantar em suas palavras a harmonia do superior; e quando dizem “hoje eu acordei cedo...” (ou qualquer coisa do gênero que sob outras perspectivas seria algo banal), sua mensagem vem carregada de vibração e essência. Para estes não existem barreiras, porque a melhor linguagem que existe para se comunicar é a que encontramos no coração do próximo.

Portanto, é uma ilusão dizer que estamos na era da comunicação, pois a verdadeira comunicação acontece na profundidade do caráter, enquanto as pessoas se movimentam na superfície. É improvável que qualquer comunicação se estabeleça entre duas pessoas que não se transformaram. As arestas impedem acharem algo em comum. A miopia não permite ver as semelhanças. O coração comunicativo é o azougue, que se funde no Ser Universal. Comunicar (com-UNI-car...) verdadeiramente une.

quinta-feira, setembro 28, 2006

Divan de Shams de Tabriz (Rumi)

Meu verso é como o pão do Egito:
a noite passa sobre ele e já não podes mais comê-lo.
Devora-o enquanto está fresco,
antes que o recubra a poeira do deserto.

(...................................)



Se te apegas ao mundo,
como um sonho ele voa;
se foges, o destino cruel
cerca o espaço em que temoves:
nem calor nem frio
es capaz de reter,
e tudo que para ti floresce
em breve há de fenecer.

( .... "traduzo aqui o poema em que Goethe parafraseia Rumi, provavelmente a primeira homenagem - e ainda a mais ilustre - de um poeta ocidental à arte deste. O leitor poderá avaliar até que ponto conseguiu o poeta de Weimar captar a estética e a espiritualidade de Rumi, constrastando-o com os poemas do Divan de Shams de Tabriz que apresento.)

A Morte e o Amor

Lá onde nasce o verdadeiro amor
morre o "eu", esse tenebroso déspota.
Tu o deixas expirar no negro da noite
e livre respiras à luz da manhã.

Tradução: José Jorge de Carvalho

segunda-feira, setembro 25, 2006

CONTRASTES (2)

Hoje a vida me acordou mais cedo. Algo de juventude se segurou em meus pulmões, e as palavras, apesar de suaves, brandiam força e expectativas. Talvez pelo rigoroso plano que o Superior me reservou devido a minhas atitudes grotescas. Talvez por entender que não sou uma pessoa intrinsecamente má, apesar de carregar algumas maldades dentro do peito. O que importa, entretanto, é que existe, afinal, um alento.

(.......)

É muito comum hoje vermos as pessoas inconformadas com seus sofrimentos; ou melhor: inconformadas não, mas revoltadas! Revoltadas com sua situação, revoltadas com o próximo por estarem do jeito que estão. Revoltadas pelas ações que a vida insiste em perpetrar contra elas, em reflexo às próprias ações que elas fazem contra o amor, contra a lealdade, contra a fidelidade, etc.

Fazendo uma análise desapegada de emoções, o que posso dizer, senão que tenho, assim como essas pessoas, me decepcionado a mim mesmo? Que minhas potencialidades e minhas ações, de forma alguma condizem umas com as outras. Que insisto em estar aquém de mim mesmo. Mas, o que é pior, é que na maior parte das vezes não se consegue enxergar alguém que não esteja aquém de seus predicados, alguém que não sofra o medo extático de se proporcionar um vôo para além.

E por que as pessoas insistem em continuar com os padrões, insistindo em sobreviver quando podiam ser felizes? Como compreender que nos amesquinhemos, muitas vezes, e no momento em que o papel principal de nossas vidas se nos aparece, insistimos em ser coadjunvantes de nós mesmos?

(.......)

Acabo de receber uma pessoa que estava me entregando um documento, e me falou sobre o costumeiro hábito de: “ôxe! Setembro já ta terminando... e a gente nem viu, né?”. Eu respondi pra ele: “setembro está terminando, o ano está terminando, daqui a pouco a vida está terminando e a gente sequer deu por ela”.

Em minha experiência ouvi diversas vezes alguém dizendo: “ontem mesmo eu era uma criança; hoje já estão crescendo cabelos brancos em minha cabeça”. Pois ontem eu estava na praia (ainda sinto em minhas mãos a textura da areia descendo pelos meus dedos) e ontem, ainda, fazia construções arquitetônicas em areia (que os adultos insistem , ainda, em chamar “castelos”). Ainda sinto o vento brincar com as gotas de suor de minha testa, colando o sal em meu rosto. E quantos anos se passaram? Trinta? Trinta e cinco?

Quando, meu Deus, vou deixar de perpetrar os mesmos padrões? Até quando ficarei aquém de minhas possibilidades? Até quando não conseguirei dissolver-me em Vós, tal como aquele sal no vento oceânico que se colava em meu rosto? Até quando? Esta é uma pergunta para a qual não há resposta, pois a pergunta já é a resposta.

quarta-feira, setembro 20, 2006

PALAVRAS DO SUPERIOR PARA A ALMA

Enquanto medes, ó alma peregrina
A distância entre nós existente
Olha, primeiro, que luz vem do Oriente
E perceba, então, quem te ilumina.

Quem, vencendo tua descrença,
Tão intimamente a ti ligado
Que tens o interior iluminado
Com apenas a Sua presença.

Saiba que unidos estamos, Tu e Eu,
Superando esta dor que te magoa
Sabendo em ti que a Verdade é boa,
E que todo que a seguiu, aqui venceu.

Por isso, nestes abismos materiais,
Estou obrigado a viver contigo,
Construindo-te, muitas vezes, um abrigo
Através de ensinamentos imortais.

Oh alma, que crês sermos distintos:
Porque vives em pântanos banhada,
Pelas misérias da ilusão açoitada,
Vendo-te num imenso labirinto?

Saiba que sou a tua própria fonte
Que na verdade Eu sou tu, e tu és Eu
A luz que permeia teu horizonte,
O fim de todos os sofrimentos teus.

Por isso, enquanto insistes adejar
Num sofrimento que não tem fim,
Sentindo sem sentir, amando sem amar,
Saiba que tu mesma estás em mim.

E que enquanto vives a me buscar,
Eu estou em teu mesmo coração
Buscando com minha luz te ensinar
O caminho de tua própria salvação.

28/10/2005

Como o cruzar do aço...

Como o cruzar do aço das espadas,
Cruzemos, meus lábios com os teus;
O teu olhar no meu a mergulhar
Achando dentro de mim um deus.

Tua boca que traz uma palavra,
Uma oração que lavra meu ser,
Em um só tempo torna-me livre,
Agrilhoado em tua língua
Pleno de viver.

Cruzar meus olhos com os teus
Como se fossem herdeiros
Do habitar
Neste reino que vem de Deus;
Estes olhos verdadeiros
Venho adorar.

Teu viver que é minha semente,
Estrada de mim ausente
Sem meu caminhar.
Teu corpo, imponente beleza,
Que traz a mim a certeza
De te amar.

Porto Velho, 24/08/2006

AMIZADE

Quero ser teu peregrino de coração,
Ajoelhar ante o altar que tu és
Derramar meu amor em teus pés
E elevar-te a Deus numa oração.

Considero que esta vida caminhada
Nada é sem tua presença em mim,
Sem minha presença em ti, sem fim,
Sem objetivo, sem tua estrada.

Por isso aqui estou, em tua frente
Olhando teus olhos, calmamente
Sabendo que meu coração e o teu

Serão, na eternidade, dois viajantes,
E, no jardim do amor, dois visitantes,
Irmanados um no outro, tu e eu.

Porto Velho, 03/04/2006

DEPRESSÃO



Eu tive uma experiência com depressão durante três anos seguidos: dos 16 aos 19 anos. Foi uma época em que se instalou dentro de mim uma crise espiritual, em que comecei a questionar determinados aspectos de minhas crenças religiosas, inclusive a minha compreensão da Divindade (descrença, ateísmo, etc), profundamente influenciado pela minha educação católica (ou seja, pessoas mal preparadas para ensinar o que deve ser ensinado, sem ter nenhuma consciência do esotérico, da fonte da espiritualidade).

Dentro desta situação, chorava todas as noites pois o sentimento da morte tinha se estabelecido dentro de mim, e me sentia desligado de Deus (eu inclusive falava pras pessoas, nessa época, que pra mim já não era mais importante a sobrevivência após a morte, mas o conhecimento de Deus). Não tinha vontade de fazer as coisas. Era revoltado por situações de minha educação.

O rompimento com aquilo começou a acontecer aos dezoito anos, quando saí de minha casa e viajei para o norte do país. Em Roraima, no meio da floresta amazônica, fui lavrador (plantar e colher). Naquele momento, criou-se naturalmente uma disciplina (tinha que acordar seis horas da manhã, tomar café às 7:00, almoçar às 11:00, jantar às 18:00 e dormir 19:30, todos os dias), comecei naturalmente a compreender que a situação pela qual estava passando; que a minha incompreensão sobre a divindade advinha de um defeito de minha percepção, devido à minha formação materialista e extremamente racional (fruto de nossa época). Mergulhei profundamente neste sentimento, ou seja, dentro de mim mesmo. Bebi da taça de meus amargos questionamentos até o fim, até que fossem eliminados de meu interior.

Naturalmente, aos poucos, este sentimento de angústia, de prostração, foi desaparecendo, até que encontrei em meu interior, através de uma meditação, uma nova perspectiva da espiritualidade (que não dá pra explicar aqui, mas que me foi muito esclarecida pelos ensinamentos tradicionais que venho estudando, principalmente de Guénon).

Então, hoje, examinando estas situações, fica muito claro pra mim que só se iniciou este processo devido a uma falha minha de caráter. Primeiro, devido a falhas em minha família no sentido de me aproximar do espiritual de uma forma mais clara. Segundo, devido à própria educação cartesiana que temos nas escolas, que buscam o questionamento puro e simples, chegando ao absurdo de questionar o próprio questionamento (lembro-me perfeitamente que, quando entrei na faculdade de filosofia da USP, o Centro Acadêmico era anarquista, ou seja, não tinha presidente, nem secretário e nem tesoureiro! só havia uma mesa e as paredes pichadas com inscrições: "o CAF existe?").

Portanto, em minha experiência, dentro do laboratório de meu coração, entendo claramente que a situação pela qual passei foi de origem material, pois não conseguia fazer a conexão entre céu e terra, e a linguagem que utilizava no conhecimento não era o amor, mas a razão. E como a razão tem limites (e o Supremo Poder não os têm, é Infinito e Eterno), chegou um determinado momento em que percebi que esta razão não conseguia iluminar minha alma.

No entanto, pela minha falha de percepção, todo este processo havia que ser necessário no sentido próprio de cultivar dentro de mim a sede de Deus, pois racionalmente não era possível, em meu caso pessoal, superar e resolver aquelas contradições internas que eu cultivava, achando que eram religiosidade.

E, quando se pergunta e busca achar uma relação entre a depressão e uma pessoa que segue os ensinamentos espirituais de sua religião, com o sentido de buscar esclarecer, eu pergunto: será que não houve uma limitação racional no sentido do conhecimento instalado nesta pessoa quanto à sua própria religião (ou espiritualidade em todos os níveis)? Será que esta pessoa está seguindo sua tradição através do seu coração? Ou terá ela se resignando a compreendê-la através de seus processos cerebrais, da discursividade de seu próprio pensamento?

Paz a todos e um abraço.

domingo, setembro 17, 2006

Pode-se fazer comentário...

Uma pessoa me disse que estava querendo fazer comentários a respeito do que eu estava escrevendo, mas não conseguiu. Sinceramente, não havia pensado nessa possibilidade, mas abri a possibilidade de comentários, ok? Caso se interesse faça... Pra mim será uma honra.

Contrastes (1)


Quando a idade é tenra, as pessoas tendem a achar que nada mais é necessário mudar. Que suas tendências juvenis são, na realidade, convicções. E que o mundo já se encontra delimitado, junto com aquilo que deseja aprender.

Quando vejo hoje o que escrevia com dezenove anos, percebo que meus pontos de vista estavam bem abaixo daquilo a que deveria chegar. Atualmente, passados vinte anos, entendo que era apenas um início de minha caminhada, e se hoje posso me considerar um pouco mais maduro, isso se deve, é claro, ao entendimento de que sou ignorante. Naquela época, apesar de tudo em que eu acreditava, eu era ignorante de minha própria ignorância.

Contudo, apesar dessa auto-crítica antiga e atual, de mim mesmo enquanto adolescente e de mim mesmo na idade em que me encontro, não posso me decidir a amputar minha adolescência pois ela faz parte de minha mentalidade. Se hoje enxergo mais profundamente os desníveis de meu coração, tal percepção se dá devido aos erros cometidos, que eufemisticamente chamamos “experiência”. E para a existência do fruto maduro, houve a necessidade da semente, e que esta tenha imprimido no cerne da árvore todas suas características.

Hoje, vejo o quanto a vida está repleta de situações que entendemos complementares. E que, muitas vezes (nem sempre...) a recusa de vivenciar uma situação nos tiraria a profundidade do conhecimento de outra, mais profunda e importante. Luz e Sombra se entrelaçam em nosso ser e uma faz com que a outra seja realmente perceptível, trazendo à tona a beleza da assinatura de Deus. Quando comecei a compreender isso, percebi a realidade de que o Supremo Poder tenha construído a roseira com espinhos, apesar de todas as considerações que os botânicos e cientistas possam ter.

Recusar o contraste seria o mesmo que acusar nossa inteligência e condená-la ao vazio. Não é, ainda, neste mundo onde se transcendem os contrastes, mas no Superior.

Ilustrando bem a questão dos contrastes, certa vez cheguei à faculdade e observei um desconhecido conversando com outro na minha sala (nunca os tinha visto e nunca mais os vi; estas coisas parecem momentos em que a "máquina do mundo" se abre diante da gente para mostrar suas engrenagens). E ele dizia: "o conhecimento é como um balão; a superfície deste balão chama-se 'ignorância'. Quanto mais enchemos o balão, mais a superfície aumenta. Quanto mais conhecemos, maior nossa ignorância”.

Atualmente, parece que o balão está cheio, e o tamanho dele é indefinido. Porém, se antes utilizava, simbolicamente, meus próprios pulmões pra encher esse balão, hoje, ando atrás de uma agulha com o intuito de estourá-lo: a isso chamo síntese.

Poemas da imaturidade...

É interessante eu olhar estes poemas que escrevi na década de 80 (depois eu vou colocar outros da mesma época no blog). O quanto a vida se parecia com sua culminância, na época, e, no entanto, sequer eu havia subido meu primeiro degrau. O quanto tudo era tão intenso e tanto e, no entanto, minha ignorância me acompanhava onde quer que eu fosse, e a morte era sempre presente.

Parecem, na realidade, arremedos de poemas, muito inconsistentes. Mas, quando os olho, uma parte de mim está ali, algo que ainda se encontra vívido em meu interior, que não se resume apenas em lembrança, mas em força de viver. Deixar esta parte de lado é como se eu me mutilasse.

Hoje, quando vejo estes poemas antigos, cada vez mais enxergo minha ignorância. O quanto em nossa juventude achamos saber de todas as respostas. O quanto vemos, com o passar do tempo, que a ignorância aumenta na mesma medida que vc conhece (não mais aquela ignorância grosseira, mas uma que se insinua de forma sutil, na mesma medida em que nos afastamos de determinados valores juvenis). E o quanto a gente entende que o saber erudito enche, e o saber divino nos esvazia de nós mesmos.

A PEDRA

“Tenho passado a vida
espargindo silêncio
com meus olhos alheios.
Não traz a trágica alma
senão órbitas vazias perante a Sombra:
E ela é enorme, impassível,
obedecendo ao doce fado que é
acomodar-me dentro de Si”.


São Paulo, fevereiro 1985

CARNE DE SONHO (II)

Com estes olhos sou um cego
tendo imensa vontade de ver
o Teu deserto, meu jazigo,
Os quais sequer alcancei.

Quero construir um sonho
de minhas retinas gastas;
para além da carne existir,
dentro da Alma dos seres, ser.

Mergulhar em Teu conhecimento
embebido de Ti em meus lábios
forjando-me através da palavra.

Consagrando por miragem meu corpo,
escudo reforçado sem lamento:
existindo-Te sem me existir.

São Paulo, 31.12.85

CONSCIÊNCIA

São silenciosos meus passos
quando repreenchem
minhas pegadas:
Sinto-me culpado
como um relógio atrasado
incapaz de atrasar o dia.

São Vicente, 05.03.86

UM CORPO, UMA ESPADA...

Por tanto existir mesquinho
inclino-me a ficar prisioneiro
a ter liberdade divina
roubando-me de meu sofrimento.

Tanto quero existir dentro de meus ossos
dentro de meu próprio sangue,
dentro de meus átomos, com o mínimo útil de espaço,
que quanto mais me afogo e mais me afogo,
mais pareço retornar à tona de meu sufoco,
tal qual um peixe que respira
sem, contudo, querer partir de seu mundo
abandonando a liberdade conhecida da água
pela liberdade desconhecida da atmosfera.

São Paulo, 1987

Igor Silva

Um nome traduz aquilo que sou
recheando sua pele com meu ser.
Diz-me de minha face, de meus atos
eqüidistando alma e palavra
de um só marco do morrer.

Quisera socorrer-me destas dunas de letras,
labirinticamente incertas,
e levantar-me de suas campas num pródigo deserto
de nomes, de lábios, de estrelas.

Não bastará, porém, outro lugar
para acomodar este esquife aberto,
Este que é a solidão de amar
Pálidas areias num pálido deserto.

Mas caminhar neste campo-santo
desvela-me um sentimento forte:
das horas vou desvestindo o manto
superando a ampulheta da morte!

São Paulo, 1986

terça-feira, setembro 12, 2006

Uma mensagem sobre o amor e a vida...


Existe uma dificuldade em dizer "eu te amo" porque amar significa se comprometer com a vida e com o Universo. Por isso, para dizer "eu te amo" é necessário ter coragem. O amor é o bálsamo Universal, que cicatriza o passado e engendra o presente. Nada fica incólume ao amor. Aquele que o conhece pode se dizer renovado ou, até mesmo, renascido. Portanto, dizer "eu te amo" não é para qualquer um. É somente para aqueles capazes de se esquecerem de si mesmos, de seus egos, para buscarem frutificar no outro.

É também, devido a este fator de egotismo das pessoas, difícil fazer alguém feliz. Inclusive porque o caminho da felicidade é interior; não podemos fazer do outro o caminho de nossa própria felicidade, assim como não podemos colocar no outro esta responsabilidade que é nossa. E tal situação de infelicidade deve-se a estarmos adormecidos para a vida. Enquanto a felicidade (quando enxergada de dentro de nosso sono) é um caminho tortuoso, descobrimos a tristeza como um abismo diante de nós. No entanto, quando acordamos, despertamos para vida, vemos que flores e espinhos são naturalmente complementares uns aos outros, apesar de que devamos buscar o aperfeiçoamento em busca da florescência e não da dor. Mas, ainda assim, ao estarmos vivos, não podemos fugir da dor, e, dentro deste sentido, ao percebermos que dor e prazer fazem parte da existência neste mundo, devemos compreender que, enquanto a alegria frutifica, a tristeza, muitas vezes concebe o que há de vir.

Dentro desta perspectiva de busca do amor e da felicidade, outra das abordagens que geralmente fazemos quando estamos procurando internalizar esta experiência é quanto à fidelidade e à aventura. Mas, devemos questionar: O que é ser fiel? Quantas vezes fomos infiéis aos nossos princípios? Quantos de nós temos princípios? Numa balança, devemos sempre lembrar, o fiel sempre aponta para cima. Agora, não fosse o espírito de aventura, como Colombo chegaria a América? Fosse Colombo fiel ao preceito da terra quadrada, teria ele aportado no Caribe? Como se vê, existe relatividade nestas palavras, porque o princípio de toda a fidelidade deve estar no Superior, que se manifesta em nós através da Verdade, e não nas pessoas ou coisas.

Dentro deste mesmo sentido, de buscarmos relacionar o Superior com a manifestação neste plano onde vivemos, o Amor não pode ser objeto. Antes de tudo, o Amor é sujeito. Ou melhor: é acima do sujeito, pois vem do alto. Portanto, quem verdadeiramente ama, não ama alguém. Ama porque expressa a altitude de seu caráter. Ama porque compreendeu a vida, e não amar é perecer; não amar é obstruir o canal que ele próprio é da Essência, do Todo, do Superior. Portanto, para quem ama, nunca se perderá o amor. Quem ama não pode valorizar o amor, pois já é, em essência, o próprio Valor em si mesmo.

Porém, na atualidade, tais perspectivas se tornam mais complexas pela própria forma com que as pessoas levam suas vidas. A maior parte da humanidade caminha adormecida pelo tempo, olhando o ontem e o amanhã. Mas a vida chama-se "Hoje". O nome da vida é "Agora". E este agora é a própria eternidade. Este "agora" passeia em nossos corações, pedindo nosso reconhecimento e, muitas vezes, perece na inconstância de nossas atitudes, que busca tirar da vida apenas aquilo que está na superfície, enquanto a verdade está em mergulhar profundamente no mar, e buscar o tesouro esquecido em nosso interior. E sem esta perspectiva de entrega, de mergulhar, nós não conseguimos atingir os valores que expusemos até o momento.

Difícil enxergar que a vida é Eternidade, à qual chegamos através do coração.

Já nos ensinaram: o segredo da verdadeira felicidade é saber se contentar com pouco. O verdadeiro rico não é aquele que tem, mas aquele que não precisa ter, independente da quantidade de posses. Epicuro dizia que se alguém quiser aumentar sua riqueza, deve primeiro diminuir sua cobiça, pois a razão de todo sofrimento se encontra no desejo de ter, esquecendo-nos da Verdadeira Fonte de Tudo quanto há, que é o Ser.

E em nossa busca de Amor, Harmonia, Felicidade, tornamo-nos propensos a chorar, a sofrer, porque para muitos, devido a nossas próprias atitudes, a Graça está escondida. Mas quem tem a graça de estar vivo, ainda que chore, vive passeando neste imenso jardim, que é o Universo, apreciando as verdadeiras flores da vida, que somos todos nós.

A dificuldade, portanto, não está em ser feliz, mas em acreditar na dificuldade de o ser. Uma criança, em estágio de alfabetização, acharia difícil de ler este texto. Mas uma pessoa adulta acharia fácil. Onde está então a dificuldade? Dentro de nós ou fora de nós? Na realidade, não devemos exigir do exterior que nos compreenda e nos mantenha a verdadeira felicidade. Devemos, isso sim, ter a grandeza espiritual de compreender, de perdoar, de seguir em frente. De ter o coração limpo, como um receptáculo para a verdadeira benção, que provém do Pai. Assim nossa vida se transforma em bálsamo para toda a manifestação, e nossos corações serão unidos ao coração universal, sem mais fronteiras estabelecidas.

quinta-feira, setembro 07, 2006

A Estratégia

Segundo o Houaiss, a palavra estratégia tem data de 1836, e diversas acepções que devem ser consideradas, algumas das quais analisaremos aqui: “arte de coordenar a ação das forças militares, políticas, econômicas e morais implicadas na condução de um conflito ou na preparação da defesa de uma nação ou comunidade de nações; (...) arte de aplicar com eficácia os recursos de que se dispõe ou de explorar as condições favoráveis de que porventura se desfrute, visando ao alcance de determinados objetivos”.

O nosso entendimento está inclinado, tomando essas acepções como princípio, a considerar a estratégia uma arte sagrada, cujos embates são capazes de fazer crescer o indivíduo interiormente. Por este motivo, antes de ser algo grotesco e fabricado, a estratégia seria fundamentalmente natural, pois tem como objetivo uma vitória.

No relacionamento humano, verificamos uma gama de paradigmas que as pessoas tem com respeito ao que consideram “uma boa pessoa”. Por este motivo, a necessidade de uma maleabilidade quando estas mesmas pessoas começam a se conhecer. A imediata demonstração de suas questões interiores, muitas vezes, afugenta aquilo que poderia ser uma verdadeira amizade.

Devagarinho, a partir do momento em que nos dispomos a conhecer alguém, descobrimos que, na maior parte das vezes, a forma de perceber o seu entorno são na realidade rótulos, e que os rótulos, devido a sua natureza rígida, não cabem em todas as situações. Esta transcendência do conhecimento rotulado (paradigmático) é a forma com a qual adquirimos experiência e vamos vivendo, ou seja: descobrindo que vivenciar é tirar as amarras de nossa compreensão, e explorar esta viagem do coração pelo mundo.

A estratégia está em todas as partes, seja em um perfume, num sorriso, em uma roupa, numa expressão de solidariedade. A questão principal, é lógico, é saber quais intenções existem sob estas atitudes. E, a partir do momento em que conseguimos entender como a estratégia é natural, inclusive nos sentidos outros que não estamos contando aqui, nossa perspectiva de ver o mundo se modifica. Veja a própria natureza: Não é onde existe a maior arte da estratégia? (caça-caçador; acasalamento, etc.). Será que Deus permitiu que fosse assim porque não prestou atenção na hora de criar a natureza, e deixou passar em sua criação algo extremamente nocivo à vida?

Considerando mais profundamente, em tudo, na vida, devemos usar de estratégia pois, geralmente, quando alguém age por impulso (sem estratégia, sem planos), tem problemas de realização e consecução de seus objetivos. Devemos ter consciência de nossos atributos e limites, para saber como fazer para chegar a uma finalidade. Se eu quero salvar meu espírito, tenho que utilizar determinadas estratégias. Se eu quero cativar alguém, também tenho que usar estratégias.

Para isso, para a utilização das estratégias com o maior poder de realização, existe o tempo certo de tudo. E saber dosar suas energias para aplicá-las no momento certo é uma estratégia, e também uma arte sagrada (isso mesmo: sagrada, espiritual). E sabem por quê? Porque saber aplicar sua energia no momento certo significa conhecer a si mesmo.

Estratégia, portanto, é saber escolher a ação, saber realizá-la (forma certa e momento certo - muitas vezes ousar!) e saber recuar quando o momento exige. E tudo está ao natural, sem esconderijos interiores ou reservas mentais, pois na arte da estratégia –que uma ciência do coração- o que vem na frente é a virtude; e o guerreiro, em honra de seu ideal, luta olhando nos olhos, porque o cativar só é verdadeiro quando é sincero.

E, para finalizar, se formos observar mais acuradamente, inclusive a flor é uma estratégia da natureza! Um dos símbolos mais universais do Amor, a flor, é conseqüência de uma estratégia da planta para gerar o fruto. E seria armadilha da planta para com o inseto? Com certeza não!

sexta-feira, setembro 01, 2006

Raízes da dor

Dizia um filósofo que o homem tem um vazio interno do tamanho de Deus, e que toda a angústia humana estava ligada a este vazio. Será? É um assunto a se refletir.

Nós nos questionamos detidamente sobre este assunto muitas vezes e o que se pode descobrir? Que a única forma de se limpar o coração é através do Amor (não o amor-sentimento, não é isso, mas o Amor-Força, o Amor-Poder Universal, o Amor-Deus). E é claro que pra construir um lugar onde este amor possa resplandecer dentro da gente é algo muito trabalhoso.

Pra se receber este Amor temos que arrancar as raízes da dor, as raízes do sofrimento, que estão baseadas em uma tríade: Pensamento-Sentimento-Ação. A partir do momento em que alguém se entrega a um pensamento negativo, este pensamento toma conta. A partir do momento em que alguém dá vazão a sentimentos negativos, estes sentimentos tomam conta. A partir do momento em que alguém age de forma negativa, os resultados desta ação fazem com que este alguém sofra.

Portanto o bálsamo é amar verdadeiramente, sabendo que só pode existir um objeto do Amor Verdadeiro: Deus. Ou, como dizem os indianos, namastê: "Deus em mim ama Deus em ti". O que isso quer dizer? que a partir do momento em que alguém ama, Deus está presente. E se Deus está presente, aquele vazio interior onde a tristeza se acomodou deixa de existir. E o amor direcionado a alguém, é direcionado na realidade a Deus dentro desse alguém, e não às falhas e defeitos (que aceitamos porque vemos a perfeição dentro da essência do próximo).

Eu sou apenas uma bactéria mas, devido ao Amor Universal, o Poder Universal se importa comigo. Por quê? Porque essencialmente ele está presente em meu interior, ainda que eu não perceba. Se eu me acomodo em me achar imperfeito, somente vou enxergar minhas máscaras, e não vejo o que possa subsistir por trás delas, ou seja, minha essência verdadeira. Mas se busco clarear meus pensamentos, meus sentimentos e ações (apesar de que para toda transformação é necessário ter paciência) não tenho dúvidas de que a vitória chegará.

SEM MORTE

O gesto que vem de tua oração
É carinho transcendente.
A ti, abro-te meu coração:
Ele é um sol resplandecente.

Ilumina-te, pois, com meu amor
Que em tu mesma está meu destino.
Pois em ti, minha fronteira termino,
E em ti encontro meu resplendor.

Teu beijo é minha religião
O meio afortunado de transcender
Pouco a pouco o meu ser,
Pouco a pouco em meu coração.

E tu és meu espelho verdadeiro,
Onde eu, de ti sendo amante,
E unido a ti, volto a ser inteiro
Sendo mais, em Deus, confiante.

Se hoje oro, se ainda tenho voz,
É porque um idioma secreto está em nós,
A chave do conhecimento de despertar
Para um céu aberto nos elevar.

Se hoje choro, se tenho algoz,
Ainda assim não estamos sós,
Porque nosso pó está repleto
De amor, que é o idioma secreto!

Por isto, quando em ti vejo a divindade,
Toda a busca tem um fim,
É destruída, então, toda a maldade
Dentro de mim.

E teu beijo secreto, como o anseio!
Para fazer do pó toda a beleza
Recuperar-me de minha natureza
E ser Eterno, sem nenhum receio.

Porto Velho, 24/08/