sexta-feira, agosto 11, 2006

Shibli e o Padeiro



Um padeiro havia ouvido falar do célebre Abu Bakr al- Shiblí e desejava ardentemente conhecê-lo. Um dia, Shiblí foi a sua padaria e, sem esconder-se, pegou um pão. O padeiro, que nunca o havia visto, avançou sobre ele, tomou-lhe o pão das mãos, dizendo-lhe: "Vá, mendigo, meu pão não é para ti". Shiblí se foi. Então, alguém disse ao padeiro: "Não sabes que este homem é Shiblí? Como lhe negas o pão?" Morto de vergonha, o padeiro correu atrás de Shiblí, o alcançou e jogando-se a seus pés pediu-lhe mil desculpas. Shiblí disse-lhe: "Se queres ser perdoado, prepare um banquete para amanhã, e chame muitos convidados".

O padeiro apressou-se a armar uma festa suntuosa, convidando grande número de pessoas e anunciando a presença de Shiblí. Quando este chegou, todos sentaram-se para comer.

Um homem piedoso perguntou-lhe: "Como se pode discernir entre um homem bom e um homem mau?" Shiblí respondeu: "Se queres ver a um homem mau, olha nosso anfitrião: por mim, gastou cem moedas de ouro; por Alláh, não queria dar um pão. Ao invés de entregar-se a gastos de loucura para um homem célebre, mais lhe valeria dar um pão com doçura a um mendigo. Parecer homem generoso não é nada; o que conta é a pureza da intenção".

(Farid ud-Din Attar, O Livro divino)

Superação dos hábitos

O que serei eu? Um habitante de mim mesmo, forçado a me habituar com as coisas, com os gestos? Terei a consciência de saber quem sou e o que quero? Ou melhor: em que limites meu querer está guardado? Ou serei apenas escravo de meus hábitos, aos quais me acostumei a considerar parte de mim?

Muitas vezes olho para mim e pareço me achar prisioneiro deste corpo e de meus próprios gestos. Tantas vezes olhei meu coração e o entendi como se ele estivesse sufocado pelas cascas que tenho colocado em mim, através de meus processos mentais e de meus hábitos, que parece que, muitas vezes, a vida nos empurra para que tomemos nossos hábitos e não os questionemos, sejam eles bons ou maus.

Contudo, neste momento de minha vida, busco superar as limitações que, ilusoriamente, coloquei entre Essência e Substância, entre o Interno e o Externo (como se isso fosse capaz de acontecer de verdade). Nestes momentos, contudo, todo processo de superação parece extremamente dolorido e, muitas vezes, quando erramos fragorosamente, aquilo que pensávamos nos libertar é, na realidade, uma cadeia pesada e amarga.

Entendo que muitas vezes estamos de frente com nossos hábitos pensando estar de frente contra um inimigo visível, aparente; porém, todos eles têm raízes ocultadas no mental. Como disse Dostoievsky, em “Crime e Castigo”: “Estou levado a crer que aquilo que mais tememos é o que tira de nossos hábitos”. Dentro desta linha de pensamento, deverão todos os tipos de hábitos ser esquecidos? Qual seria a posição que deve ter o homem diante da vida no tocante aos seus hábitos?

Como eu disse, as raízes dos hábitos se escondem nos nossos processos mentais. Através deles é que enxergamos o mundo, e nossa natureza é veiculada. Se a lente mental estiver distorcida ou viciada, nossos hábitos também obedecerão o mesmo caminho.

Porém, todos estes processos mentais devem ser superados um dia (porque os processos mentais fazem parte da vida do indivíduo, da vida corporal ou material, como queiram) através de um aperfeiçoamento do coração. Por isso, também um dia deveremos superar nossos hábitos, pois se estes tem raízes no mental, ao serem coratadas estas raízes, a ligação será interrompida, e os processos que alimentavam os hábitos perecerão. Não é necessário dizer porque é importante abandonarmos nossos maus costumes, mas e os bons costumes? Por que deveriam ser superados? Como fazê-lo?

Entendemos que toda nossa vida deve transcorrer através de gestos conscientes. A palavra “hábito” traz em seu bojo uma idéia de “ação inconsciente”, ou, no mínimo, “pouco consciente” (a tal ponto que, no português, a palavra “hábito” também designa “roupa” ou “veste”; ou seja, que os hábitos estão referidos à superfície do ser, e não a seu cerne). Se buscamos consciência, ou conscientização, está claro que os hábitos devem ser superados um dia para que exista uma vida presente, uma vida no “aqui e agora”, em prol de nosso crescimento (e não apenas gestos mecânicos e habituais), através de um processo de aprofundamento da consciência, até se ligar na Essência do Ser.

Mas não devemos abandonar os hábitos bons à força ou de imediato como se isso fosse dar resultado. O trabalho a ser efetuado é na raiz dos processos mentais. Aqueles gestos que chamamos “hábitos” deverão ser renomeados de “vida consciente”, e tomar, a partir daí, uma nova significação. Tudo isto deve passar através de um processo de autoconhecimento, em que os hábitos vão perdendo este nome e passam a se chamar “vivenciação” ou “vida”. Tal fato é verdadeiro porque, na realidade, os bons hábitos carregam em si uma força que vem dos antepassados. O que devemos, isto sim, não é deixar de fazer aquilo que habituamos e que é bom, mas compreender o que fazemos, termos consciência da ação e meditarmos nela; desta forma, nossos gestos deixarão de ser hábitos, e passarão a ser virtudes. Quando se chega neste estágio, o gesto que se transforma em virtude passa a ser vida. Deixa de ser sonolência e passa a ser despertar.

Os maus hábitos nos roubam de nós mesmos... Os bons hábitos nos trazem energia e força. O “aqui e agora” nos força à “Transcendência”.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Razão e emoção

Razão e emoção. Dois tipos de percepção do mundo que andam sempre juntos. Algumas vezes é privilegiada a razão, outras a emoção. E assim, entre racionalizações e envolvimentos emocionais, vamos levando nossa existência do nascimento à morte.

No entanto, questionamos: qual é a melhor forma de agirmos perante o mundo? Uns, emocionais demais, querem viver a vida se entregando às situações, vibrando pelos sentimentos adquiridos, explodindo e exultando com as experiências pelas quais atravessa. Estes são considerados românticos e sentimentais.

Outros buscam um afastamento radical das situações limites, analisando criteriosamente cada situação, buscando encontrar uma raiz lógica e plausível, muitas vezes químicas e físicas, para as situações em que vive. Tentam encaixar o mundo em um padrão mental pré-estabelecido. Estes são chamados cerebrais.

Contudo, entendemos que existe um caminho de estabilização, onde sentimentos e pensamentos devem se equilibrar, devem ser contrapartes de uma mesma moeda cósmica. Por quê? Porque o alvo a ser atingido está além de emoção e razão. Está muito mais acima. Enquanto Clássicos (racionalistas) e românticos (sentimentalistas) lutam para terem suas idéias prevalecendo, o verdadeiro objetivo está exatamente no equilíbrio entre estes dois aspectos, para exatamente haver o equilíbrio do indivíduo. E quando há o equilíbrio é que vemos acima das aparências mundanas.

Enquanto há luta interna, a água psíquica fica turva. Enquanto houver oposição sem conciliação, o verdadeiro objetivo não será visto. No entanto, quando este equilíbrio se instalar, quando a oposição cessar, e o ser humano estiver íntegro nos dois aspectos, integrando razão e emoção, então existe oportunidade de transcendência, pois as coisas do mundo não atraem mais em si próprias, o apego desaparece.

Enquanto isso não acontece, nossa personalidade acontece tal qual uma rolha na tempestade, ou seja, instável. E, devido a isso, atrai para si situações em que o próprio Universo insiste em colocá-lo no equilíbrio: Muito racional, muita frieza atrai o fogo; muito sentimental, muito calor atrai água. Porque, apesar da descrença e ceticismo de hoje, o Universo busca nosso equilíbrio. Prestemos atenção!