René Guénon expressa em seu Aperçus
sur l'Initiation (em preto; considerações minhas em vermelho):
- ...todo
conhecimento é essencialmente uma identificação...
[Comentário
Igor: a “identificação” é um processo de “transformação”, sendo a palavra "transformação" ser entendida no seu significado original: para além da forma.
Não há como conhecer sem transformação. Assim, podemos entrever que todo
conhecimento espiritual advém do necessário trabalho interno, e que sem este
qualquer visualização do conhecimento iniciático terá caráter ilusório.
Como exemplo, lembremo-nos do poema de Camões: Transforma-se o amador na cousa
amada, / por virtude do muito imaginar; / não tenho logo mais que desejar, /
pois em mim tenho a parte desejada.].
- ...este
conhecimento só é possível porque o ser, que é um indivíduo humano num certo
estado contingente de manifestação, é também outra coisa ao mesmo
tempo...
[Comentário
Igor: ou seja, nós somos muito mais do que aparentamos ser, porém, os outros
estados do ser ao qual nos ligamos espiritualmente estão bloqueados devido a
nossa ignorância sobre nós mesmos]
- Todo
conhecimento, ao qual se possa chamar verdadeiramente iniciático, resulta de
uma comunicação estabelecida conscientemente com os estados superiores [do
ser]...
[Comentário
Igor: a iniciação tem por objetivo estabelecer esta conexão com os aspectos
desconhecidos do ser, para que estes possam ser manifestados “aqui e agora”, e
testemunhados pelo ser consciente, sem vendas]
- O conhecimento
direto da ordem transcendente, com a certeza absoluta que implica, é
evidentemente, em si mesmo, incomunicável e inexprimível; toda expressão, sendo
necessariamente formal por definição mesma e, por conseguinte, individual,
é-lhe por isso inadequada e não pode dar dele (...) mais do que um reflexo na
ordem humana...
[Comentário
Igor: a transmissão iniciática se dá por influxo espiritual. Não há como ser
explicada de forma lógica.]
- ... todo
conhecimento exclusivamente 'livresco' não tem nada em comum com o conhecimento
iniciático, inclusive contemplado em seu estado simplesmente teórico...
[Comentário
Igor: a experiência iniciática não está acessível apenas pela leitura de
livros. Estes podem ser ferramentas poderosas para o o crescimento da
compreensão, mas o influxo espiritual é transmitido através da iniciação].
- O trabalho
interior, pelo qual este desenvolvimento será realizado gradualmente, cabe-se
com o auxílio de 'adjuvantes' ou de 'suportes' exteriores [Comentário
Igor: símbolos, alegorias, rituais, etc.], sobretudo nos
primeiros estágios, fazendo passar o ser, de degrau em degrau, através dos
diferentes estados da hierarquia iniciática, para conduzi-lo ao objetivo final
da 'Liberação' ou da 'Identidade Suprema'.
[Comentário
Igor: “identidade suprema”: quando, após todo processo de purificação
mencionado na maçonaria como “desbaste da pedra bruta”, o homem se une à
própria divindade, ou seja, deixa de ser uma “pedra individual” e passa a
“fazer parte” da construção do templo universal. Conclui a iniciação nos
chamados “mistérios maiores”.
(...)
Todos
os símbolos sagrados, tanto os expressados pela natureza como os adquiridos
pelos homens mediante revelação divina, sejam estes gestuais, visuais ou
auditivos, numéricos, geométricos ou astronômicos, rituais ou mitológicos,
macro ou microcósmicos, têm uma face oculta e uma aparente; uma qualidade
intrínseca e uma manifestação sensível, quer dizer, um aspecto esotérico e
outro exotérico.
Enquanto
o homem profano (que é tal por seu estado de queda) unicamente pode perceber o
exterior do símbolo, pois perdeu a conexão com sua origem mítica e sua
realidade espiritual, o iniciado procura descobrir nele o mais essencial, o que
se encontra em seu núcleo, o que não é sensível, mas sim inteligível e
cognoscível, a estrutura invisível do Cosmo e do pensamento, sua trama eterna,
ou seja, o esotérico, que constitui também o ser mais profundo do próprio
homem, sua natureza imortal.
Ao
tomar contato e identificar-se com essa condição superior de si mesmo e do
Todo, constata que signos e estruturas simbólicas aparentemente diversas são,
no entanto, idênticas em significado e origem; que um mesmo pensamento ou ideia
pode ser expresso com distintas linguagens e roupagens sem se alterar, de modo
algum, seu conteúdo único e essencial; que as ideias universais e eternas não
podem variar, ainda que na aparência se manifestem de modo passageiro.
O
Cosmo, a criação inteira, contém uma face oculta: sua estrutura invisível e
misteriosa, que o faz possível e que é sua realidade esotérica, mas que, ao se
manifestar, reflete-se em miríades de seres de variadíssimas formas que lhe dão
uma face exotérica, sua aparência temporal e mutável. No homem acontece o
mesmo: o corpo e as circunstâncias individuais são as que constituem seu
aspecto exotérico e aparente, sendo o espírito o mais esotérico, a única
Realidade, sua origem mais profunda e seu destino mais alto.
Se
os cinco sentidos humanos são capazes de mostrar o físico, a realidade
sensível, esse sexto sentido da intuição inteligente e da perscrutação interna,
que se adquire pela Iniciação nos Mistérios, permite Ver mais além; dá acesso a
uma região Metafísica na qual os seres e as coisas não estão sujeitos já ao
devir, nem marcados pela morte. Essa visão esotérica identifica ao homem com o
“Si Mesmo”, ou seja, com seu verdadeiro Ser, sua essência imortal da qual toma
consciência graças ao Conhecimento e ao lembrar de Si.
Enquanto
o exotérico nos mostra o múltiplo e passageiro, o esotérico nos leva para o
único e imutável. [Comentário Igor: a iniciação torna evidente ao iniciado o acesso a
estados inicialmente invisíveis].
Com
um olhar esotérico, que se irá abrindo gradualmente em nosso caminho interior,
iremos compreendendo e realizando que o espírito do Pai, seu Ser mais interno,
é idêntico ao espírito do Filho. Esta consciência de Unidade é a meta de todo
trabalho de ordem esotérica e iniciática bem entendido. Para Ela se dirigem
todos nossos esforços; nEla colocamos nosso pensamento e nossa concentração
interior. [Comentário Igor: a iniciação tem por objetivo a realização, ou
seja, a manifestação da glória do Pai através de nós, e a identidade entre Pai
(Deus) e o Filho (o homem). Para isso é necessário saber usar as ferramentas.
Para usar as ferramentas há a necessidade de treinamento (disciplina). Para se
ter disciplina, é necessário o estudo. Antes de dizer que qualquer caminho tradicional é
ineficiente para se conseguir este aperfeiçoamento, é necessário conhecer o caminho, suas ferramentas, e tê-las utilizado através desse processo de aperfeiçoamento,
disciplinadamente.]
(...)
A
Iniciação nos Mistérios supõe uma completa transmutação que terá de se operar
gradualmente no adepto, em diversos níveis, durante o caminho para o
conhecimento de si mesmo; é uma via gradual na qual se conhecerão, pouco a
pouco, os distintos estados do ser.
O
termo "iniciação", derivado do latim initium, significa
"começo" e também "entrada". Por um lado, supõe o início de
um processo de conhecimento da realidade Metafísica e, por outro, o ingresso
num caminho verdadeiramente espiritual que terá de conduzir a uma real
"deificação" daquele que o possa empreender e continuá-lo até o
fim.
O
iniciado deverá morrer para o mundo profano e ilusório e perder a falsa
identidade com seus aspectos puramente individuais, passageiros e mortais, e
simultaneamente ressuscitará para um mundo sagrado e verdadeiro que lhe
identificará melhor com o real e imutável, com aquela essência pura e imortal
que constitui seu verdadeiro Ser. Este percurso supõe uma viagem interior, e
irá acompanhado do conhecimento de outros mundos que estão aqui e agora, mas
que a mente ordinária nem sequer pode imaginar.
Para
que a Iniciação ocorra, será necessário que o adepto permita que os símbolos e
ritos sagrados, proporcionados pela doutrina da Tradição Unânime, penetrem em
seu interior e operem essa transformação integral, que terá que se produzir
quando estes instrumentos despertadores da consciência ordenem a inteligência e
toquem as fibras mais sutis e imperceptíveis que se conectam com as verdades
eternas. Ela comporta um desenrolar de potencialidades ocultas e misteriosas,
que jazem em nossa própria interioridade, e um desenvolvimento das
possibilidades verdadeiramente espirituais, que no estado ordinário se
encontram adormecidas. O estudo dos códigos simbólicos tradicionais -como
aqueles que são proporcionados por nosso Programa-, bem como a meditação e a
concentração -e a prática dos rituais iniciáticos-, serão veículos adequados
para que esta transmutação e despertar da consciência sejam produzidos e se
substituam progressivamente os apegos e as falsas identificações por aquilo que
se denomina a Suprema Identidade.
Este
processo, simbolizado claramente pela transmutação dos metais que propõe a
Alquimia, bem como pelas diversas etapas contempladas no simbolismo
construtivo, supõe duas fases: a primeira delas é chamada iniciação virtual e
vai desde o começo da Obra até a consecução do estado de "homem verdadeiro",
passando por diversos graus que suporão a superação de provas que terão de
determinar se o candidato está qualificado; a segunda -chamada Iniciação real
ou efetiva- supõe o conhecimento e a experimentação de estados supra-humanos
e atingir o estado de “homem transcendente".
O
candidato à Iniciação é como uma semente que, contendo todas as possibilidades
de desenvolvimento e procriação, não as poderá plasmar enquanto não penetrar o
interior da terra -a caverna iniciática-, descendo aos infernos e morrer, para
nascer de novo. É por isso que o recém iniciado é chamado "neófito",
ou planta nova (neo = nova; fito = planta), pois já venceu a primeira morte e
está pronto para empreender seu desenvolvimento vertical e ascendente.
Esta
morte comporta uma completa dissolução dos estados anteriores, que deverá ser
repetida cíclica e gradualmente -em diversos níveis cada vez mais sutis e
elevados- durante o curso do processo iniciático, até que renasça o homem novo,
o homem verdadeiro, totalmente regenerado, que terá desenvolvido o leque de
suas possibilidades humanas e estará pronto para transcender aos estados
supra-individuais e recobrar seu verdadeiro Ser. Terá assim retornado ao estado
virginal das origens, à pátria celeste.
Não
queremos terminar sem dizer algo muito importante para se ter em conta no
processo iniciático ou de conhecimento: o de não confundir o plano psicológico
com o espiritual, erro que é muito frequente hoje em dia. Isto acontece porque
o espiritual foi negado ao se fazer uma diferença cortante entre alma e corpo,
outorgando-se-lhe então a tudo o que não é material, ou corporal, uma categoria
espiritual, ou pseudo-espiritual.
(...)
deve-se esclarecer que a Iniciação verdadeira é um processo íntimo,
secreto, onde o homem troca o conteúdo de suas imagens mentais através da
reforma total de sua psique e portanto inclui uma morte ao mundo conceitual
profano, que é uma reconversão do ser e, desta forma, vem seguida de um novo
nascimento a um estado diferente. Também se assinalou que há duas destas mortes
e portanto três nascimentos, dois iniciáticos e o profano, e estes nascimentos
são perfeitamente efetivos e reais, claramente indicados por ciclos e sinais,
para quem participa deles.
A
via é a Simbólica, como ciência das correspondências e das analogias, e dos
ciclos, ritmos, frequências e cadências em que estes símbolos se manifestam no
ser e seu entorno. Ou seja a via do Conhecimento, apoiada por práticas físicas
e comprovações psicológicas como suportes do Ser e sua verdadeira realização
Metafísica: em suma, a busca e efetivação do terceiro nascimento, quer dizer, o
ingresso aos Mistérios maiores. (...)
(Programa
Agartha – Federico Gonzalez; tradução: Igor Silva)
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