quarta-feira, maio 11, 2016

O ateu do Povoado (Edgar Lee Masters)

Oh vós, jovens que debateis sobre a doutrina
Da imortalidade da alma,
Eu, que me encontro aqui, fui o ateu do povoado.
Falador, contencioso, versado nos argumentos
Dos infiéis.

Mas através de uma longa doença
Tossindo até morte
Li os Upanishads e a poesia de Jesus.
E eles acenderam uma tocha da esperança e de intuição;
E a vontade da Sombra,
levando-me rapidamente através das cavernas das trevas,
Não conseguiu apagar.

Ouvi-me, oh vós que viveis nos sentidos
E pensai unicamente através dos sentidos:
A imortalidade não é uma dádiva,
A imortalidade é uma conquista;
E apenas aqueles que se esforçarem poderosamente
Conseguirão obtê-la.
(Tradução: Roger Avis)

ASPECTOS SIMBÓLICOS DO TRABALHO EM CANTARIA - Roger Avis



Se o eterno não edificar a casa, em vão trabalham aqueles que a edificam.
Salmo 127:1
(Cântico das peregrinações de Salomão)

Aplicai-vos, pois, de todo o vosso coração e vossa alma a bus­car o Senhor vosso Deus. Construí o santuário do Senhor Deus, para trazer a arca da aliança do Senhor e os utensílios sagrados de Deus ao templo que será edificado ao nome do Senhor.
1 Crônicas 22:19

O Eu é o mestre do eu. Cada um é o seu próprio mestre e refú­gio, quem outro poderia ser? O completo domínio de si mesmo é o único refúgio, difícil de alcançar.
Sidarta Gautama (Buda)

Maçonaria Operativa e Maçonaria Especulativa 

             Na passagem da maçonaria operativa para a maçonaria especulativa, muitos dos detalhes da nobre arte da cantaria foram deixados de lado em prol da adaptação realiza­da. Os livres pensadores que adotaram os ensinos maçónicos não estavam interessados na prática manual do canteiro, que era um serviço pesado e, portanto, buscaram simpli­ficar no simbolismo.
Esta simplificação simbólica trouxe um relativo "empobrecimento" no sentido do conhecimento da arte, onde diversos detalhes do trabalho nos canteiros, ao serem deixados de lado, obscureceram facilitações teóricas no caminho do auto-conhecimento.
Para se adentrar mais nestes aspectos, e verificar sua real importância, devemos dizer que a palavra "cantaria" vem, etimologicamente, do latim "canthus", que significa "aresta"[1]. Desta forma, o conceito de cantaria se refere ao trabalho em pedras objeti-vando seu esquadrejamento, ou a sua formatação no sentido de servir ao projeto cons­trutivo. Na maçonaria especulativa, simplificamos: "tornar a pedra bruta em pedra cúbi­ca".

Maçons trabalhando


O que é do desconhecimento da maioria dos maçons é o fato de que o conheci­mento tradicional sobre o trabalho operativo era transmitido através de técnicas que sempre buscavam um sentido efetivo de aperfeiçoamento não só do trabalho, mas tam­bém do profissional, pois se entendia que a perfeição daquele passava pela perfeição deste, em todos os aspectos, dentre eles o prático, o psíquico e o intelectual. Quanto mais aperfeiçoado internamente, mais perfeita será a habilidade do obreiro e, conse­quentemente, da obra.
 Aqueles que estudam os textos antigos percebem que a utilização metafórica do traba­lho comum, analogicamente relacionado à espi­ritualidade, é algo constante nas civilizações do passado - egípcia, caldaica ou medieval, ou por aqueles que, nos sertões mais afastados dos grandes centros urbanos, ainda empregam a­quelas técnicas artesanais tradicionais.
No Oriente, por exemplo, existia toda uma explicação simbólica para a prática do ofício da tecelagem, onde os fios paralelos, presos ao tear, são os influxos espirituais manifestados através das leis universais, en­quanto que os fios horizontais, adicionados ao serem tecidos, são as atividades nos pla­nos manifestados. Assim, simbolicamente, nossas ações, quando levando em conta os influxos espirituais do "Grande Tecelão do Universo"[2], só poderão ser realmente profí­cuas a partir do momento em que com estas sejam harmônicas. A falha de um ponto na tecelagem poderia deitar fora todo o trabalho.
Da mesma forma, no ocidente, temos exemplos de diversas profissões -senão todas as que existiam na antiguidade ou idade média- que se utilizavam desta espécie de simbolismo para ensinar que, ao se trabalhar o material, também se trabalhava em ou­tros aspectos do ser, e que era necessário ter atenção para isto. A matéria-prima artesa­nalmente trabalhada pelo obreiro era o espelho onde ele poderia apreciar seu próprio caráter.
Outra coisa que é geralmente menosprezada pelos estudiosos é o fato da maço­naria operativa ter em seu bojo aspectos filosóficos profundos, e que a maçonaria espe­culativa somente pôde frutificar em seus estudos porque isto já era uma realidade à épo­ca de seu nascimento. Alguns estudiosos, inclusive, desprezam esta espécie de aborda­gem, entendendo que apenas com a maçonaria especulativa é que se obteve um apro­fundamento no conhecimento, tendo em vista o advento no seio daquela ordem de pes­soas letradas, pensamento com o qual, respeitosamente, não nos alinhamos.
Essa espécie de perspectiva toma por base um preconceito cultural, onde se es­tende o olhar de nossa época para medir todas as épocas anteriores. E este preconceito, que não sabe enxergar seu próprio anacronismo, faz com que os sábios de nosso tempo se limitem a uma forma de pensar estreita, sem realmente aproveitar o conhecimento oriundo da antiguidade. Mas, isto já seria a matéria de um outro trabalho. Apenas men­cionamos para que o leitor possa levar em conta, também, que se quisermos extrair a essência de qualquer coisa, devemos conhecê-la sem preconceitos, conforme é propala­do pelos mesmos ensinos maçônicos[3].

As ferramentas do Canteiro[4]
Como são desconhecidas pelos maçons atuais muitas das ferramentas dos cantei­ros, abaixo vão exemplos de algumas poucas ferramentas modernas utilizadas atualmen-te no trabalho de cantaria artesanal, fabricadas pela empresa americana Trow & Holden Company[5]:


Como se pode perceber, existe uma infinidade de ferramentas utilizadas no tra­balho do canteiro além daquelas mencionadas na maçonaria especulativa. É óbvio que os processos de formatação da pedra bruta atravessavam uma série muito maior de deta­lhes, hoje desconhecidos na maçonaria especulativa, que levavam os mestres obreiros a situações reflexivas não encontradas na especulação.
A figura do camartelo (ferramenta parecida com um martelo pontiagudo, que é utilizada para o primeiro trabalho, mais grosseiro, na pedra bruta), por exemplo, utiliza­da no Rito Schrõder, provém da mais antiga tradição dos maçons operativos, não absor­vida pelos outros ritos em geral. Numa miniatura do séc. XV, do artista francês Jean Fouquet, mostra-se a utilização desta ferramenta para o desbaste da pedra bruta.
O "buril"[6], no caso do trabalho em pedra, trata-se de uma espécie de cinzel pontiagudo [conforme o Hou-aiss, "ferramenta de aço com ponta oblíqua cortante (... ) para lavrar pedra"], que vai dar um trato rústico na pe­dra, podendo ser usada após o "camartelo", ou já direta-mente (dependendo do tipo da pedra). Também pode ser utilizada para o início do acabamento no caso de figuras escultóricas 
A abordagem que efetuamos neste título serve apenas para demonstrar que os conhecimentos relativos ao trabalho maçónico operativo tinham detalhes muito maiores do que os apresentados atualmente, e que a ri­queza destes detalhes poderia levar a aspectos desconhecidos de um simbolismo mais claro e preciso, objetivando, também, maior precisão no processo de autoconhecimento e aperfeiçoamento.


Aspectos práticos de como trabalhar literalmente à pedra bruta
Em primeiro lugar, antes da existência da matéria prima para o trabalho do can­teiro, há a necessidade da sua extração na pedreira. Neste momento, o artífice escolhe na fonte de qual lugar quererá extrair o material que deseja. Deve levar em conta para que propósito se utilizará a pedra, pois a escolha do lugar da pedreira já influi na espécie de matéria prima que se obterá.
Após a extração da fonte, ou seja, o nascimento da pedra-bruta em sua forma in­dividual, traça-se todo um plano em que são considerados os métodos de trabalho no sentido de buscar como resultado a adaptação da matéria-prima ao lugar em que ela está destinada. Podemos chamar de aperfeiçoamento, neste caso, o caminho que se faz da pedra bruta até chegar à pedra polida. Este trabalho, didaticamente, poderia ser classifi­cado em cinco partes:
1)   Punçoar ou burilar - neste momento, fazemos com que as grandes diferen­ças existentes sejam atingidas pelo buril até que fiquem pequenas. Neste trabalho, con­forme mostra a figura a seguir, deixam-se normalmente estrias em diagonal;
2)   Dentear - depois do burilamento, utilizamos o cinzel denteado para diminuir ainda mais as diferenças, buscando eliminar as estrias do trabalho anterior, deixando as marcas dos dentes desta ferramenta. O cinzel denteado deve ser utilizado de forma reta, no mesmo sentido das laterais da pedra utilizada. Utilizam-se para isto diversos cinzéis denteados, dos de dentes maiores aos de dentes menores, até ser utilizado, finalmente, o cinzel sem dentes, mais conhecido na maçonaria especulativa. Alguns chamam o cinzel denteado de buril, também;
3)   Cinzelar - o cinzel, propriamente dito, conforme demonstrado na maçonaria, é utilizado neste momento. Neste caso, começa um trabalho de alisamento da pedra, eliminando a maior parte das marcas anteriores;
4)   Esmerilar - a pedra de esmeril é utilizada, suavizando o máximo possível as marcas do cinzel. Na maçonaria operativa, observava-se um movimento manual contí­nuo e circular e, aos poucos, e adicionando constantemente a água para eliminar obstru­ções (escorregar), a superfície ia ficando lisa;
5)   Polir - para finalizar o serviço, e a superfície ficar totalmente lisa e espelha­da, utilizam-se lixas de diversas granaturas (de 150, 220, 300 e 600), gradualmente da mais grossa para a mais fina.

 
trabalho da pedra-bruta à pedra polida[7]

Ativemo-nos em considerar apenas o trabalho em pedra porque era a perspectiva do trabalho dos canteiros, da qual a maçonaria surgiu. Outras profissões tradicionais vão conter similaridades com o que aqui foi descrito.
Relações analógicas entre a cantaria e o trabalho interno
A Extração da pedra-bruta diretamente da pedreira é muito similar à escolha efe-tuada do profano apto a entrar na maçonaria. Afinal, a sociedade profana muito se as­semelha a uma pedreira, onde a multidão sufoca o talento individual, fazendo com que muitas vezes o indivíduo não encontre seu caminho.
É necessário acrescentar que, seguindo a tradição da maçonaria brasileira, os profanos são escolhidos para integrarem a sublime ordem. Isto faz-nos considerar a ma­çonaria como o artífice que visita a pedreira em busca do material necessário para cum­prir a sua obra, entendendo, queremos deixar claro, a ordem como um canal que veicula forças superiores a este estado de manifestação.
Sobre este fato, podemos considerá-lo ainda de duas formas: de maneira macro-cósmica ou microcósmica. No primeiro aspecto, o artífice seria o GADU que escolheria os aptos a veicularem seus desígnios na consubstanciação do Templo Universal. Micro-cosmicamente, o próprio iniciado, em seu trabalho meditativo, identificaria os aspectos de seu ser que deverão ser pinçados de seu interior e trabalhados conforme estes mes­mos desígnios, para que a verdade seja expressa.
O maçom deve aprender a reconhecer no emaranhado informe de sua existência cotidiana os aspectos sublimes de seu ser, e seu trabalho é reconhecer quais deles deverá trabalhar durante sua vida para melhor expressar sua destreza, ou sua sintonia com o Todo. A isto as pessoas costumam chamar, talvez impropriamente, de "missão". Na atualidade, o maçom pode ter em sua frente uma quantidade enorme de perspectivas onde expressar sua vida. Contudo, somente aquelas que coadunam com seu caráter é que lhe trarão a verdadeira realização. As outras deverão ser desprezadas, porque quem tudo quer, nada consegue.
Se o iniciado escolheu a matéria prima correta onde trabalhar, ou seja, escolheu os aspectos de si mesmo que deverão receber sua atenção de agora em diante, e que serão trabalhados com suas virtudes, seu trabalho não será em vão. Contudo, se há fa­lhas na matéria prima, ou seja, se não escolheu corretamente o aspecto que deverá ser trabalhado, deverá retornar à pedreira de si mesmo e, através de um estudo mais apro­fundado e orientado, encontrar o material correto para seus objetivos[8].
Após um exame acurado, enxergam-se as matérias primas interiores misturadas com outros agregados psíquicos, frutos estes de diversas origens, principalmente dos preconceitos e erros que nos habituamos a aceitar e continuamos a engendrar, seja da criação, seja da influência da sociedade. A origem pode ser grosseira (agressões, vícios, luxúria, etc.) ou mais imperceptível (costumes, sofismas, paradigmas, etc.).
Logo após de escolhida a matéria prima, o maçom deverá fazer um desbaste a­centuado, onde as maiores imperfeições são retiradas. Podemos, simplificando, encon­trar três pontos a serem trabalhados em primeiro lugar: físico, psíquico e mental. É claro que não existem fronteiras estanques entre eles, e que os aspectos a serem trabalhados podem conter características de todos estes: um pouco mais de um, um pouco menos de outro.
Por exemplo, a glutonaria: existe a necessidade de se encontrar a raiz psicológica que induziu o indivíduo a tal situação para extirpá-la completamente; contudo, em de­terminados casos, se não houver uma modificação radical no jeito de se alimentar talvez a base material onde trabalhamos, que é o próprio corpo, pode deixar de existir e o indi­víduo simplesmente morrer, antes de encontrar essa raiz psicológica e extirpá-la.
Logo a seguir, fazemos um pequeno esboço destas considerações acima, trazen­do, de maneira superficial, algumas analogias necessárias dos trabalhos da cantaria com os trabalhos que o maçom deve perpetrar em si mesmo para seu crescimento e aperfei­çoamento:


Cantaria
Aspecto Físico
Aspecto Psíquico
Aspecto Mental[9]
Burilar[10]
Extirpação de hábitos extremamente danosos à saúde: fumo e drogas.
Eliminação de senti­mentos extremamente grosseiros como ódio ou ira.
Considerar-se como um receptor, estando pron­to ao aprendizado.
Dentear
Aperfeiçoamento dos hábitos tendo como meta melhor saúde: alimentação.
Cultivo da paciência e da conformação.[11]
Estudar os ensinamen­tos maçônicos, buscan­do compreender e me­morizar o relevante.
Cinzelar
Domínio de sua vida sexual.
Cultivo do amor frater­nal.
Meditar sobre os ensi­namentos e excluir o supérfluo.
Esmerilar
Domínio sobre a respi­ração.
Cultivo do Amor in­condicional.
Compreender a verda­deira natureza do Ho­mem.
Polir
Domínio sobre todos aspectos fisiológicos.
Superação da individu­alidade.
Libertação dos concei­tos, em busca da Su­prema Identidade.

Nos exemplos acima demonstrados na tabela, devemos levar em conta que esta relação não é finalista, apenas exemplificativa. Cada um deve aprender a conhecer seu próprio caráter e, através do estudo sincero e objetivo, levando em conta os ensinos tra­dicionais, reconhecer a graduação com que deve ser efetuado do trabalho interior. Cada um, dentro de suas características próprias, deve saber encontrar quais aspectos deverá trabalhar dentro de si mesmo.
O que devemos entender é que, dentro da perspectiva maçônica, em todos os as­pectos está envolvido um caráter gradual de crescimento (veja o simbolismo da escada), que deve ser levado em conta a partir do momento em que se decide trabalhar sobre si mesmo. Não se passa para o próximo degrau enquanto o anterior não estiver trabalhado. Da mesma forma não se cinzelará enquanto o denteamento não estiver totalmente pron­to.
Ao se transportar à perspectiva da maçonaria especulativa o trabalho de cantaria, percebe-se que houve uma grande simplificação, tendo em vista que já não se tratavam mais de operários da pedra, mas de livres pensadores, que desconheciam a espécie de trabalho efetuado, ou não queriam se ater a este.
Contudo, dentro do conhecimento tradicional, os trabalhos operativos tinham o objetivo meditativo, onde o artesão utilizava seu trabalho com o sentido de se aperfeiço­ar.
Como já foi descrito, havia no trabalho de transformação da pedra bruta em cú­bica uma dedicação de dias, variando conforme a complexidade do trabalho e da dureza do material, onde uma falha poderia fazer perder todo o processo. Por este motivo, ha­via a necessidade de se ter, em primeiro lugar, paciência. Este trabalho de transformação está muito ligado, neste caso, à paciência que temos ao abordar uma determinada maté-ria-prima. Se vamos impetuosamente sobre ela, podemos errar. Se utilizarmos força minúscula, podemos demorar além do necessário.
Neste caso, as virtudes seguintes que se ligavam ao processo de transformação eram o equilíbrio e a firmeza. Podemos, assim, já neste momento, encontrar similarida­des entre o trabalho externo, na pedra, e o trabalho interno, no caráter.
Sobre o burilar, dentear e cinzelar podemos concluir que se tratam de processos em que a força é fundamental, sendo característico da passagem de uma fase para a ou­tra a diminuição da força e o aumento da destreza. Poderíamos identificar desta forma: a) Burilar - mais força e menos destreza; b) Dentear - força e destreza na mesma medi­da; c) Cinzelar - mais destreza do que força. 
Isso demonstra que os próprios processos de trabalho no caráter também apresentam aspec­tos em que determinados pontos de vista devem ser abordados. A princípio, a força é extrema­mente necessária para excluir os defeitos mais evidentes. Dentro da maçonaria especulativa, os aprendizes sentam-se no lado norte, sob a égide do Irmão 1.° Vigilante, que é o responsável pela veiculação da força numa Loja. Este fato é bas­tante característico, tendo em vista o trabalho mais forte que se deve ter quanto aos aprendizes, ainda eivados de profanidades.
No entanto, com a sequencia do trabalho, já a experiência (que na maçonaria é o conhecimento teórico adquirido e praticado) aliada com a destreza vem se tornando muito mais importante, chegando ao ponto de ser quase a única determinante. A experi­ência, ou a perícia, são o aprimoramento do conhecimento do artífice em sua própria arte. O maçom, no hábito de trabalhar sobre si mesmo, encontra a própria arte que o conduz ao aperfeiçoamento cada vez mais refinado.
Quando falamos nos trabalhos que efetuamos sobre o nosso próprio caráter, so­bre o cinzel e o malho, temos que levar em consideração, também, os ensinamentos que a maçonaria especulativa transmite aos obreiros. Abordá-los, neste momento, é necessá­rio no sentido de nos conduzirmos a um aprofundamento ainda maior sobre este traba­lho.
Lavagnini diz o seguinte:
(... ) o malho e o cinzel, como instrumentos propriamente ati-vos, representam exatamente os esforços que, por meio da Vontade e da Inteligência, temos de fazer para nos aproximar­mos da realização efetiva desses Ideais, que representam e ex­pressam a perfeição latente de nosso Ser Espiritual. O malho, que utiliza a força da gravidade de nossa natureza subconscien­te, de nossos instintos, hábitos e tendências, é pois, representa­tivo da Vontade, que constitui a primeira condição de todo progresso e é ao mesmo tempo o meio indispensável para realizá-lo[12].

Isto que Lavagnini diz é simplesmente o básico a ser mencionado sobre os as­pectos da utilização do buril e dos cinzéis, juntamente com o malho. Encontraremos em diversos autores poucas variações, nada substanciais. Todos eles funcionam simbolica­mente da mesma forma (seja o buril ou os cinzéis), tendo, contudo, cada um, suas carac­terísticas próprias, já mencionadas.
O que geralmente não se fala é quem, ou o que, é o responsável pela movimen­tação dessas ferramentas supra mencionadas. Guénon nos fala da Divina Personalidade, que é quem fala atrás da máscara - a persona, que é a nossa individualidade.
É esta Divina Personalidade a verdadeira responsável pelo manejo dos instru­mentos. E no caso do trabalho operativo sobre o nosso próprio caráter, a matéria prima, que somos nós mesmos, é a desculpa (grosso modo) necessária para que esta essência real de nosso ser se manifeste. E este é o verdadeiro trabalho do iniciado: não é olhar os instrumentos vibrando na frente de seus olhos, mas perceber quem olha. Não é se pren­der à vontade e à inteligência, mas suprimir esta atenção aos instrumentos, e voltá-la ao verdadeiro artífice interno[13].
Falar mais sobre o simbolismo dos cinzéis e do malho seria supérfluo neste mo­mento. Diversos manuais sobre o assunto já discorreram o suficiente para que necessi­temos continuar aqui. Somente queremos alertar que o simbolismo deve ser visto no coração, e presenciado também no coração para que seja realmente efetivo.
Quanto ao esmerilar e polir, que são trabalhos onde a força já não é tão impor­tante, mas principalmente a destreza, carregam consigo um aspecto fundamental: o mo­vimento circular. Ao movimentar a mão com o esmeril, ou com a lixa, o obreiro segue compassadamente uma ordem, onde toda a superfície é atingida para se chegar ao objetivo.

Sabemos que o círculo é o símbolo do infinito e da perfeição. A circularidade do movimento da lixa na face quadrada do cubo nos parece carregado de reminiscência no tocante à quadratura do círculo. O círculo vem aperfeiçoando a face quadrada da pedra cúbica.
A utilização da água é revestida, também, de seu caráter simbólico. A água, sen­do utilizada como é, torna-se o veículo para a perfeição. E dentro do simbolismo esoté­rico encontramos na alma a referência da água. A água, batizando a pedra, torna-a capaz de receber a perfeição do artífice, bem como de chegar à realização do trabalho. Somen­te através da alma o espírito pode realizar a obra.
O obreiro, neste ponto do trabalho, ao passar a mão pela superfície completa da pedra, deve demonstrar a sensibilidade necessária para compreender que já extraiu da pedra bruta a pedra cúbica.

Conclusão: Iniciações nos mistérios menores e maiores
Especificamente quanto ao trabalho de cantaria, da formatação da pedra, ele se relaciona ao que os gregos antigos chamavam de "mistérios menores". A iniciação nos mistérios menores buscava com que o homem expressasse o máximo de sua perfeição enquanto homem. Na maçonaria simbólica atual, estas considerações estariam demons­tradas principalmente nos graus de companheiro e aprendiz.
As iniciações nos mistérios maiores bus­cavam com que o homem superasse sua condição individual e se unisse à divindade. Enquanto as iniciações dos mistérios menores apontavam o caminho à perfeição humana, as dos mistérios maiores apontavam para uma perfeição divina, a do homem transcendente.
Seria, neste caso, a segunda morte, apre­sentada na maçonaria no magistério maçônico.
A iniciação nos mistérios maiores estaria simbolicamente relacionada mais diretamente ao ofício da arquitetura e da efetiva construção, o que pode ser tema de outro trabalho.


            Este trabalho apenas pincelou algumas considerações superficiais sobre o ofício de canteiro, que poderão ser aprofundadas na no estudo, pesquisa e meditação de cada obreiro. Cumpre destacar que o ensinamento maçônico tem sido habitualmente utilizado em limites aquém de seus objetivos, e cabe a nós, maçons, começar a mudar esses limites e parâmetros estabelecidos, sob pena de contribuirmos cada vez mais para o desaparecimento virtual e, após, efetivo de nossa Augusta Ordem.
Assim, os estudos elaborados na atualidade devem procurar resgatar, conforme buscamos fazer aqui, os fundamentos do ensino, estabelecendo e renovando as conexões com a origem prístina do legado maçónico.
E também, com este mesmo objetivo, àqueles capazes de uma obra mais abran­gente e hercúlea, recriar as possibilidades iniciáticas para as mulheres, tendo em vista que, no Ocidente tais sociedades desapareceram, ou delas não se tem mais notícia. Mas para isso, tanto para o reavivamento do conhecimento maçónico, tanto para possibilitar uma iniciação feminina, de acordo com as características próprias das mulheres[14], é ne­cessário o mergulho na matéria prima iniciática do ocidente, e buscar trazer à tona aqui­lo que se ocultou em nossa época.

NOTAS:

[1] Desde a origem, podemos perceber que a tônica dos trabalhos efetuados pelos maçons operativos sem­pre foi no sentido de "tirar as arestas", e encontrar a pedra lavrada que já habita o interior da pedra bruta.

[2] Usamos este nome para a divindade dos tecelões apenas para fazer um paralelo entre este e o GADU. Este termo é fictício. Contudo, o simbolismo da tecelagem existiu na antiguidade e, até, na idade média. É bem significativo notar sobre isso a informação de Guénon: "(...) os livros tradicionais são frequentemen­te designados por termos que, em seu sentido geral, referem-se à tecelagem. Assim, em sânscrito, sútra significa propriamente "fio": um livro pode ser formado por um conjunto de sútras, como um tecido é formado por um conjunto de fios; tantra possui também o significado de "fio" e de "tecido", e designa mais particularmente o urdume de um tecido. Da mesma forma, em chinês, king é o urdume de um pano, e wei sua trama; o primeiro destes dois termos designa ao mesmo tempo um livro fundamental, e o se­gundo seus comentários. Esta distinção entre urdume e trama no conjunto das escrituras tradicionais cor­responde, segundo a terminologia hindu, à que existe entre a Shruti, que é o fruto da inspiração direta, e a Smriti, que é o produto da reflexão que se exerce sobre os dados da Shruti ." (René Guénon, O Simbolis­mo do Tecido - XIV capítulo do livro "O Simbolismo da Cruz").
[3] Algo que é deve ser levado em consideração para meditarmos sobre este assunto posteriormente, é a apreciação de uma catedral gótica, que é uma verdadeira enciclopédia de conhecimento, onde o coração humano se expressou de formas sublimes. Cremos que ignorantes de mente estreita seriam incapazes de dar cabo de tal tarefa. E somente um ideal refinado poderia impulsionar pessoas a participarem da cons­trução de um edifício como este durante séculos a fio, sem preocupações imediatistas, tão características de nossa época.

[4] Os maçons operativos reuniam toda uma série de procedimentos, que não se atinham apenas ao trabalho de cantaria, tais como a arquitetura e a carpintaria. No entanto, todos os aspectos abordados mais abaixo também poderão ser aplicados analogicamente à carpintaria. Quanto à arquitetura propriamente dita, faremos algumas considerações mais ao final do trabalho.
[5] Citamos a empresa por termos utilizado de figura existente em sua página eletrônica.
[6] Outras ferramentas são chamadas "buril", utilizáveis em outros materiais (madeira e metal, por exemplo) e com funções diversas. Contudo, em se tratando da maçonaria, o buril que deve ser levado em conta é o mencionado. É claro que, com a decadência dos trabalhos em pedra, o buril para gravação em metal ficou mais conhecido.

[7] Figura adaptada do livro "The Complete Book of Self-Sufficiency", de John Seymour.

[8] Podemos exemplificar esta situação da seguinte forma: alguns têm uma inclinação para determinado tipo de comportamento mais característico que seria, para ilustrar, o orgulho. Se ele não buscar trabalhar sobre este aspecto psicológico negativo de imediato, e não procurar sublimá-lo e, em vez disso, escolher um outro, tal como a inveja, que não seria tão importante em seu caráter, pode acontecer de não conseguir se livrar nem de um, nem da outra. Por isso, a escolha sobre o que deve se trabalhar deve ser tomada criteriosamente, levando sempre em conta as virtudes e os defeitos que se têm. Virtus = força.
[9] Estes aspectos podem ser estudados dentro da mesma perspectiva do Yoga: Hatha, Karma e Jnana.

[10] o burilamento é a extração das diferenças mais grosseiras, que tornariam o maçom incapaz de aproveitar os ensinamentos a ele dirigidos. O burilado não busca a eliminação imediata das imperfeições, mas sim a formatação destas de uma forma que não impeçam o aprendizado.
[11] Os primeiros resultados ainda não são o objetivo buscado, que se realiza com o tempo. Por isso a necessidade de paciência (a famosa tolerância maçônica) consigo mesmo e com os outros.

[12] Manual do Aprendiz Maçom - Aldo Lavagnini.
[13] Os Upanixades oferecem um texto interessante, mostrando a importância deste aspecto simbólico, que muitas vezes é desconsiderado na maçonaria: (6). "Tendo compreendido que os sentidos são distintos da alma, e que sua ascensão e declive a eles per­tence, o sábio deixa de sofrer. (7). "Além dos sentidos está a mente, além da mente está o Ser supremo, além do Ser supremo está o Grande Ser, além do Grande, o Oculto. (8). "Além do Oculto está a Persona­lidade, o onipresente, completamente imperceptível. As criaturas que lhe conhecem são liberadas e obtêm a imortalidade. (9). "Sua forma não pode ser vista, pois ninguém pode lhe contemplar com os olhos. Só pode ser conhecido com o coração, que se acha além da sabedoria e a mente. Só aqueles que sabem isto são imortais. (10). "Quando todos os sentidos e a mente são submetidos, o sábio alcança o estado supre­mo. (Kata Upanishad, Segundo Adhyaya, Sexto Valli)

[14] Segundo nosso entendimento, é necessário possibilidades de ordem iniciática para as mulheres, devi­damente embasadas na tradição. Tais possibilidades se estendem apenas no Oriente, enquanto que no Ocidente estão adormecidas, até o momento de serem reavivadas. Entendemos que a maçonaria não seria o lugar deste processo pelas próprias características da ordem. Em se conhecendo os fundamentos da ordem, fica bem claro que seus ensinamentos não serviriam para uma espécie de iniciação feminina. Tra­tar desiguais de forma igual é um dos absurdos que grassa em nossa época.
Existem, dessa forma, ofícios femininos que poderiam servir de base a toda uma simbólica de uma orga­nização iniciática. O cuidado que uma organização iniciática pré-existente, tal como a maçonaria, deveria ter é o de proporcionar uma adaptação simbólica monumental, sem escorregar para o campo da fantasia. Trabalho muito árduo.