terça-feira, agosto 21, 2007

O KARMA


Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará.
Gálatas (6:7)

1 - Introdução

A princípio, o estudo do Karma tem por objetivo aquilo para o qual se prepara todo aquele que busca conhece-lo: A liberação final ou a Suprema Identidade. Entende-se por liberação final o fim último do homem que é o de unir-se a Deus. O Karma seria, sob este ponto de vista, tanto veículo para a libertação do homem, quanto sua própria prisão, dependendo da forma com que ele é veiculado.

Dentro da tradição hindu, assim como na Budista, a palavra Karma (Kamma – em páli), oriunda do sânscrito, tem seu radical na palavra Kr , que quer dizer ação. Na doutrina tradicional da Índia, portanto, a palavra Karma tem sua acepção mais comum como “ação”, e a mais avançada como “ação ritual”, quer dizer, a ação que obedece a verdadeira maneira de ser do homem, a ação que expressa a natureza essencial do ser.

Para uma clareza maior, não há possibilidade de se dar seguimento ao estudo do Karma sem se examinar o que os hindus querem dizer com a outra teoria justaposta, a do Darma (ou Dharma, ou Damma – em páli). Tal palavra, assim como a própria idéia que advém da palavra, pode ser traduzida como “maneira de ser”. Alguns querem vê-la como Lei.


2 - O Dharma

O Karma e o Darma são frutos da existência do tempo. O homem oriental enxerga o tempo de forma cíclica e tem o entendimento que as características principais da passagem do tempo se repetem. Assim como a Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno são características cíclicas dos anos, e todos os anos se repetem, cada qual expressando sua singularidade, da mesma forma os antigos dividiam o tempo em ciclos, prefigurando um determinado padrão cósmico.


3 - Manvantara

Diversas tradições falam sobre esta divisão, sendo que um número que entendemos ser aceitável é o que a escola perenialista coloca, de cerca de 64.000 anos, referente ao movimento de precessão dos equinócios (inclusive é este o número que os babilônios entendiam que se referia a um ciclo).

Dentro deste ciclo, que seria chamado pelos hindus de “manvantara”, existe uma “maneira de ser”, ou de se expressar, que deve ser obedecida para que o ser que nele vivesse tivesse a melhor forma de orientação. Portanto, esta Lei (ou maneira de ser) chama-se Dharma.


4 - O Karma, propriamente dito.

O Karma, sendo ação, ou seja, expressão do ser humano, deve acontecer de acordo com a “maneira de ser” de cada ciclo. Normalmente, o karma é a expressão dessa maneira de ser. O afastamento desse é que se tornaria uma aberração, um afastamento do curso natural das coisas.

As tradições espirituais (ou simplesmente tradições) são as guias e orientadoras da maneira de ser de cada ciclo. Portanto, as formas tradicionais mostram qual caminho a ser trilhado para que o ser se mantenha dentro do dharma, e dele não se afaste. São elas, portanto, a tradução ao ser humano de qual é a vontade do Ser Universal, do Grande arquiteto do Universo – Deus, para ser seguida por todos os seres.

Esta lei vale para todos os seres, sejam animados ou inanimados. Mas, num sentido didático apenas, busquemos examinar o comportamento do Karma com relação aos homens.


5 - A Missão

Cada homem tem, dentro do plano Universal, uma função geral e uma singular, à qual os ocidentais chamam de Missão. A característica geral do homem o coloca no centro do Universo manifestado como o principal fator de irradiação da força divina. As tradições deixam isso claro a partir do momento em que dizem que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus.

A característica singular é a ferramenta com a qual cada homem nasce para trabalhar no sentido de expressar a característica geral do homem, que é sua verdadeira essência. Ou seja: o caráter singular do homem é a ferramenta que ele tem para expressar o Homem verdadeiro que existe em seu interior. E quando ele age de conformidade com este caráter, ele expressa a verdadeira luz que está em seu coração.

A essa ação consciente que o homem tem em busca de expressar a sua verdadeira essência, que Jesus Cristo chamou “Reino de Deus”, e Sidarta Gautama chamou “Buda”, é o primeira explicação do que é karma, ou seja: Ação ritual; ação de conformidade às leis universais.


6 - Causa e Efeito

No entanto, a palavra Karma obteve, com o passar dos anos, e com a tradução ao pensamento ocidental outra conotação. Passou apenas a ser tão somente a “lei de causa e efeito”, ou seja: toda ação produz um resultado.

Não sendo, contudo, essa a principal perspectiva pela qual o Karma deve ser estudado, não se poderia passar por cima deste assunto sem que haja a abordagem.

Paulo escreveu em Gálatas (6: 1 a 7):

1 IRMÃOS, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai o tal com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado. 2 Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo. 3 Porque, se alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo. 4 Mas prove cada um a sua própria obra, e terá glória só em si mesmo, e não noutro. 5 Porque cada qual levará a sua própria carga. 6 E o que é instruído na palavra reparta de todos os seus bens com aquele que o instrui. 7 Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará.

Neste excerto, Paulo está falando exatamente da lei da causa e do efeito, ou seja, em linguagem popular: “Quem plantou abacaxi não pode colher mamão”. Mas, dentro dessa possibilidade kármica, existem muitas nuances que devem ser analisadas.


7 - Aspectos da Lei da Causa e do Efeito

A primeira é a seguinte: o que se planta se refere apenas ao aspecto externo da ação? Esta primeira pergunta deve ser respondida com um sonoro não. Tanto positiva quanto negativamente. O aspecto externo não traduz a relação cármica entre indivíduo-ação e efeito. Por exemplo: Jesus chicoteando os vendilhões e um feitor chicoteando os escravos. O que há de primordial nessa imagem? A intenção.

Apesar do dito popular dizer que “o inferno está cheio de boas intenções”, o que faz com que uma ação tenha valor cármico são os fatores que a produziram. E, neste caso, a intenção está na base do valor da ação. Um fariseu que ora em público e um fiel devoto que ora em silêncio, fazem a mesma ação, mas com qualidades diversas.

Portanto, o que se tem que ter em mente, em primeiro lugar, é que a ação em si mesma é destituída de um valor verdadeiro. O valor não está na ação em si mas, em primeiro lugar, na intenção com que se faz.

Mas se a intenção fosse o único fator para se valorar a ação, o dito popular não teria sua verdade. Portanto, entra um segundo fator que deve ser levado em conta no momento de se valorar a ação, que se chama Lei. A ação deve ser feita com a intenção verdadeira, e os olhos postos sobre a lei, quer dizer, o Karma não pode ser desvinculado do Dharma.


8 - Providência Divina, vontade Humana e Destino

Neste ponto de vista, adquirimos a visão de três fatores primordiais, que de forma alguma estão desvinculados, sendo aqui citados apenas por razão didática: A Lei, o Homem e a ação., que poderíamos colocar dentro dos seguintes aspectos utilizados pela tradição ocidental: Providência Divina, Vontade e Destino (ou Fatalidade).

A Lei provém do grande Arquiteto do Universo. Ao homem cabe a intenção, a expressão de sua vontade. A ação tem como fator determinante o objeto.

Por este motivo, quanto mais o homem, em sua ação, se aproxima da Lei, mais se afasta da fatalidade e domina seu destino. Quanto mais se afasta da Lei, mais preso estará pelos resultados de suas ações. Ou seja: a verdadeira liberdade não está em fazer o que quer, mas em escolher o que realmente deve ser feito, estar de acordo com a Lei, ou o Dharma.


9 - Ação sem buscar usufruto

A doutrina hindu também fala sobre o resultado das ações: o homem deve agir sem buscar usufruir os resultados. Dentro do pensamento oriental, quando o homem age já buscando um resultado, uma recompensa, a intenção já está falha e não produz o efeito desejado. Por isso a máxima: “Amar sem ver a quem”. Para o homem ocidental, tal perspectiva pode parecer, a princípio absurda. Porém, aquele que faz o bem em busca do paraíso, já obteve seu resultado. E aquele que faz o bem para fugir do inferno, também já obteve seu resultado. Desta forma, o caminho da perfeição, utilizando o Dharma está na ação desinteressada do bem. Rabi’a, adepta Sufi do séc. VIII, dizia o seguinte:

“Pela Tua força, ó Deus, eu não Te adoro porque desejo Teu Paraíso, mas por amor a Ti. Não é o Paraíso que eu passarei minha vida a procurar.”


10 – Conclusão

Concluindo, dentro da perspectiva oriental, o Karma é muito mais do que simplesmente a propalada “Lei de Causa e Efeito”, mas própria expressão da Lei Universal.

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