quarta-feira, maio 11, 2016

O Graal



O Graal, pelas peculiaridades que tem, pertence a uma parte da doutrina iniciática muito pouco abordada de uma forma séria e estudada. Enormes quantidades de livros abarrotados com suposições são lançados sobre o tema, e sequer tocam naquilo que realmente é essencial, nem simbolizam o que se pode tirar de verdadeiro ensinamento dele.

Qual o formato, se é algo ou alguém, isso na realidade pouco importa, pois todos os objetos e pessoas apresentados como tal não demonstraram em si o poder e as qualidades relatadas sobre o Graal.

O que deve pautar uma análise breve sobre o tema é o seguinte: A saga do Graal foi divulgada por durante uns cinqüenta anos e, depois, subitamente desapareceu qualquer menção a ela. Diversos escritores de diversas partes da Europa escreveram sobre este objeto maravilhoso, que possuía poderes extraordinários, sendo algumas vezes uma taça que Jesus usou na Santa Ceia, ou uma esmeralda caída da testa de Lúcifer quando da sua rebelião contra Deus, ou, até, um livro (graal / gradale = livro).

Em segundo lugar, o que deve ser considerado são as formas que os autores colocaram a história, algumas vezes com uma fantasia tal que deixava escondida, quando não tornava inacessível, o seu verdadeiro ensinamento. Alguns consideram que estes detalhes inúteis colocados nas histórias serviam apenas para desviar a atenção do profano para o verdadeiro significado do poema ou da novela.

Portanto, por estas duas observações, a do curto período em que foram escritas as novelas e poemas do graal, e a forma como foram escritas, denotam que a expressão dessas histórias tinha um caráter tão somente “exteriorizador”, ou seja, que buscava manifestar e divulgar coisas antes reservadas apenas aos iniciados.

Outro parte que deve ser abordada seria no tocante aos elementos visivelmente relacionados a culturas anteriores ao cristianismo, que os estudiosos e literatos consideram como uma forma de empréstimo da tradição cristã de elementos oriundos de outras culturas, tão somente. Talvez aí esteja um engano formidável, tendo em vista que o conhecimento esotérico, diferentemente do exotérico, tende a considerar suas raízes antes de ser transmitido.

Portanto, a realidade tradicional está toda ela ligada, em todas as partes do mundo onde ela exista verdadeiramente, a um único tronco. É claro que este tronco pode ser visto de diversas formas e diversas perspectivas, o que não torna as doutrinas esotéricas contrárias, mas tão somente complementares. No caso do Graal, apesar das opiniões de doutos estudiosos, que não estavam levando em conta uma realidade perene que se encontra em “si” mesmo, a história traz uma síntese de elementos esotéricos, onde a transmissão da história tinha um objetivo certo, não se tratando de mistura de idéias, nem de fantasia popular.

Não seríamos ousados ao entender que a transmissão dessa história deva ter procedência “não-humana”, como nos ensina Guénon, ou seja, que provém de ensinamentos superiores ao “estado humano”, adaptados à compreensão do homem. O caráter aparentemente mágico ou improvável que estas novelas trazem, na realidade, revelam esta dimensão supra-humana, não acessível ao racional. Portanto, ao serem lidas as histórias sobre o Graal, o olhar deve ser modificado, e a visão interior voltada para onde mais importa, ou seja, para o espiritual. Então, o que podemos entender sobre a história é que ela não tem caráter popular, mas deliberadamente esotérico.

Dito isto, podemos considerar que tais histórias, com aparência popular e até “folclórica” tinham como objetivo salvaguardar ensinamentos de um ciclo que estava se fechando (inclusive, alguns autores chamam ao conjunto destas histórias, inseridas em sua época, como o “ciclo do Graal”). Muito claramente, a localização no tempo em que estas histórias foram escritas está no fim da Idade Média, em que aconteceu a derrocada de uma forma de vida e o nascimento de uma outra forma de percepção da realidade, mais solidificada e densa.

Além da questão do fim da Idade Média, havia na lenda do Graal elementos pré-cristãos e Celtas, o que importava numa percepção de que estas formas de conhecimento, atualmente existentes não mais como tradições vivas, mas somente como fatos e informações históricas, ainda tinham recursos para, num último extertor, expressarem fatos de uma natureza tradicional, adaptando-as a um sentido cristão.

Neste caso, a expressão do “Ciclo do Graal” tornou-se uma adaptação de ensinamentos antigos, de uma tradição em franco desaparecimento, numa nova forma tradicional que era o Cristianismo medieval. Impossível, neste caso, estabelecer uma data em que tenha se dado esta adaptação. Ou até em que lugar isso tenha ocorrido (apesar de que a história se passe na Bretanha, diversos autores de outros lugares escreveram sobre o tema, inclusive franceses).

Ao termos tocado em alguns pontos essenciais para a compreensão do tema, cabe aqui afirmar que o “Ciclo do Graal” serviu para a transmissão de elementos tradicionais, iniciáticos, do Druidismo ao Cristianismo, sendo que, após esta transmissão, os elementos passados começaram desde então a fazer parte do esoterismo cristão, inclusive como elementos marcantes na doutrina esotérica cristã.

Dentro deste sentido, isto fica bastante claro haja vista que o aspecto exotérico da tradição cristã, mais propriamente sua religião, nunca tratou de considerar de forma efetiva estas histórias mais que fantasias ou folclore, relegando-as e, até mesmo, considerando-as como heréticas.

Assim, por se tratarem de ensinamentos esotéricos, de ordem não religiosa, não poderiam religiões ou seitas se apoderarem deles, tendo em vista que sua compreensão estava reservada apenas aos iniciados, e dentro de uma transmissão regular e fechada deste conhecimento. Algumas seitas que se formaram inspiradas nestas histórias, na realidade erraram o alvo e não tinham condições de chegarem a um termo certo, pois o ensinamento e a sua forma de transmissão estava fora de sua esfera de alcance.

Isto deve ser levado bem em conta, pois o âmbito esotérico está referido a uma alçada que não cabe ao conhecimento exotérico, não cabendo a este julgar ou considerar como real ou não àquele. Cada esfera de conhecimento é valida em sua ordem, mas sempre não deixando escapar que o conhecimento esotérico, por tratar da metafísica pura, é superior ao exotérico, pois a este é reservada apenas as condições contigentes da manifestação humana, ou seja, da vida cotidiana. Assim, o esotérico sempre deve ter prevalência sobre o exotérico.

Portanto, aquilo que se convencionou a se chamar o “Segredo do Graal” remonta às organizações esotéricas que apoiaram sua difusão, e aos conhecimentos iniciáticos transmitidos por estas.

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