O Graal, pelas peculiaridades que
tem, pertence a uma parte da doutrina iniciática muito pouco abordada de uma
forma séria e estudada. Enormes quantidades de livros abarrotados com
suposições são lançados sobre o tema, e sequer tocam naquilo que realmente é essencial,
nem simbolizam o que se pode tirar de verdadeiro ensinamento dele.
Qual o formato, se é algo ou
alguém, isso na realidade pouco importa, pois todos os objetos e pessoas
apresentados como tal não demonstraram em si o poder e as qualidades relatadas
sobre o Graal.
O que deve pautar uma análise
breve sobre o tema é o seguinte: A saga do Graal foi divulgada por durante uns
cinqüenta anos e, depois, subitamente desapareceu qualquer menção a ela.
Diversos escritores de diversas partes da Europa escreveram sobre este objeto
maravilhoso, que possuía poderes extraordinários, sendo algumas vezes uma taça
que Jesus usou na Santa Ceia, ou uma esmeralda caída da testa de Lúcifer quando
da sua rebelião contra Deus, ou, até, um livro (graal / gradale = livro).
Em segundo lugar, o que deve ser
considerado são as formas que os autores colocaram a história, algumas vezes
com uma fantasia tal que deixava escondida, quando não tornava inacessível, o seu
verdadeiro ensinamento. Alguns consideram que estes detalhes inúteis colocados
nas histórias serviam apenas para desviar a atenção do profano para o
verdadeiro significado do poema ou da novela.
Portanto, por estas duas
observações, a do curto período em que foram escritas as novelas e poemas do
graal, e a forma como foram escritas, denotam que a expressão dessas histórias
tinha um caráter tão somente “exteriorizador”, ou seja, que buscava manifestar
e divulgar coisas antes reservadas apenas aos iniciados.
Outro parte que deve ser abordada
seria no tocante aos elementos visivelmente relacionados a culturas anteriores
ao cristianismo, que os estudiosos e literatos consideram como uma forma de
empréstimo da tradição cristã de elementos oriundos de outras culturas, tão
somente. Talvez aí esteja um engano formidável, tendo em vista que o
conhecimento esotérico, diferentemente do exotérico, tende a considerar suas
raízes antes de ser transmitido.
Portanto, a realidade tradicional
está toda ela ligada, em todas as partes do mundo onde ela exista verdadeiramente,
a um único tronco. É claro que este tronco pode ser visto de diversas formas e
diversas perspectivas, o que não torna as doutrinas esotéricas contrárias, mas
tão somente complementares. No caso do Graal, apesar das opiniões de doutos
estudiosos, que não estavam levando em conta uma realidade perene que se
encontra em “si” mesmo, a história traz uma síntese de elementos esotéricos,
onde a transmissão da história tinha um objetivo certo, não se tratando de
mistura de idéias, nem de fantasia popular.
Não seríamos ousados ao entender
que a transmissão dessa história deva ter procedência “não-humana”, como nos
ensina Guénon, ou seja, que provém de ensinamentos superiores ao “estado
humano”, adaptados à compreensão do homem. O caráter aparentemente mágico ou
improvável que estas novelas trazem, na realidade, revelam esta dimensão
supra-humana, não acessível ao racional. Portanto, ao serem lidas as histórias
sobre o Graal, o olhar deve ser modificado, e a visão interior voltada para
onde mais importa, ou seja, para o espiritual. Então, o que podemos entender
sobre a história é que ela não tem caráter popular, mas deliberadamente
esotérico.
Dito isto, podemos considerar que
tais histórias, com aparência popular e até “folclórica” tinham como objetivo
salvaguardar ensinamentos de um ciclo que estava se fechando (inclusive, alguns
autores chamam ao conjunto destas histórias, inseridas em sua época, como o
“ciclo do Graal”). Muito claramente, a localização no tempo em que estas
histórias foram escritas está no fim da Idade Média, em que aconteceu a
derrocada de uma forma de vida e o nascimento de uma outra forma de percepção
da realidade, mais solidificada e densa.
Além da questão do fim da Idade
Média, havia na lenda do Graal elementos pré-cristãos e Celtas, o que importava
numa percepção de que estas formas de conhecimento, atualmente existentes não
mais como tradições vivas, mas somente como fatos e informações históricas, ainda
tinham recursos para, num último extertor, expressarem fatos de uma natureza
tradicional, adaptando-as a um sentido cristão.
Neste caso, a expressão do “Ciclo
do Graal” tornou-se uma adaptação de ensinamentos antigos, de uma tradição em
franco desaparecimento, numa nova forma tradicional que era o Cristianismo
medieval. Impossível, neste caso, estabelecer uma data em que tenha se dado
esta adaptação. Ou até em que lugar isso tenha ocorrido (apesar de que a
história se passe na Bretanha, diversos autores de outros lugares escreveram
sobre o tema, inclusive franceses).
Ao termos tocado em alguns pontos
essenciais para a compreensão do tema, cabe aqui afirmar que o “Ciclo do Graal”
serviu para a transmissão de elementos tradicionais, iniciáticos, do Druidismo
ao Cristianismo, sendo que, após esta transmissão, os elementos passados
começaram desde então a fazer parte do esoterismo cristão, inclusive como
elementos marcantes na doutrina esotérica cristã.
Dentro deste sentido, isto fica
bastante claro haja vista que o aspecto exotérico da tradição cristã, mais
propriamente sua religião, nunca tratou de considerar de forma efetiva estas
histórias mais que fantasias ou folclore, relegando-as e, até mesmo,
considerando-as como heréticas.
Assim, por se tratarem de
ensinamentos esotéricos, de ordem não religiosa, não poderiam religiões ou
seitas se apoderarem deles, tendo em vista que sua compreensão estava reservada
apenas aos iniciados, e dentro de uma transmissão regular e fechada deste
conhecimento. Algumas seitas que se formaram inspiradas nestas histórias, na
realidade erraram o alvo e não tinham condições de chegarem a um termo certo,
pois o ensinamento e a sua forma de transmissão estava fora de sua esfera de
alcance.
Isto deve ser levado bem em
conta, pois o âmbito esotérico está referido a uma alçada que não cabe ao
conhecimento exotérico, não cabendo a este julgar ou considerar como real ou
não àquele. Cada esfera de conhecimento é valida em sua ordem, mas sempre não
deixando escapar que o conhecimento esotérico, por tratar da metafísica pura, é
superior ao exotérico, pois a este é reservada apenas as condições contigentes
da manifestação humana, ou seja, da vida cotidiana. Assim, o esotérico sempre
deve ter prevalência sobre o exotérico.
Portanto, aquilo que se
convencionou a se chamar o “Segredo do Graal” remonta às organizações esotéricas
que apoiaram sua difusão, e aos conhecimentos iniciáticos transmitidos por
estas.
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