segunda-feira, abril 16, 2018

NENHUM HOMEM É UMA ILHA... (o que é a felicidade?)



“nenhum homem é uma ilha, que se basta a si mesma. Somos parte de
um continente; se um simples pedaço de terra é levado
pelo mar, a Europa inteira fica menor. A morte
de cada ser humano me diminui, porque
sou parte da humanidade. Portanto,
não me pergunte por quem
os sinos dobram:
eles dobram
por ti.”

John Donne (séc. XVI)

Quando eu leio este poema, posso entender que alguém não queira colocar a responsabilidade de sua felicidade nas costas de outra pessoa. A responsabilidade sobre si mesmo é algo primordial a todo ser humano. Afinal, eu lavro minha felicidade através de meus pensamentos, sentimentos e palavras.

Contudo, entendo também que alguém possa dizer que deve ter a mesma atitude na tristeza ou na alegria. Mas olho com preocupação um pensamento muito em voga no mundo moderno no qual se diz que não se depende de ninguém a felicidade de uma pessoa. Que podemos prescindir dos outros como se fôssemos autossuficientes em nossas vidas.

Houvesse nesse pensamento, ou nessa forma de se enxergar o mundo, uma palavra, ou uma menção, ao Poder Superior, eu poderia concordar com ela. Contudo, quando alguém diz “decidi ser feliz como indivíduo” – se esquecendo de dizer “Deus decidiu me fazer feliz”, mostra de forma muito clara o desconhecimento de como são as coisas no plano espiritual.

Ninguém decide ser feliz tendo a felicidade como um fim em si mesma. As tradições antigas dizem claramente que a benção vem apenas e tão somente de Deus, e que a recepção de uma felicidade não é devido a uma questão de escolha de ser feliz, mas a de ser escolhido dentre aqueles que serão abençoados pela face divina neste caminho, porque há aqueles que sofrem pelo amor a Deus, e este sofrimento é capaz de lhes trazer tal grau de desprendimento que, consequentemente, faz com que eles alcancem alturas maiores do que a própria felicidade. Ou se poderia, também, dizer que se transcenda a própria felicidade, sem deixar de ser feliz.

A felicidade terrena é muito limitada. Esta felicidade pode ser escolhida, mas é falsa. Por que deveria eu escolher a felicidade terrena quando existe algo mais alto e inefável que é a meta que me foi presenteada? “Busca o Reino de Deus e sua Justiça e tudo o mais lhe será dado como acréscimo”. Onde está a palavra felicidade?

Se a pessoa soubesse qual é a origem da palavra felicidade, não diria tal coisa. Isto demonstra uma ignorância no dizer. A palavra felicidade vem do verbo “felare” (chupar). Interessante, não? E por que os romanos escolheram tal palavra para designar um estado de bem-aventurança? Porque eles imaginaram a suprema felicidade simbolizada por uma mãe amamentando uma criança. Ou seja: a mãe em harmonia com o filho ao dar, e o filho em harmonia ao receber.

Portanto, a própria origem da palavra “felicidade” tem a imagem de duas pessoas(!), e não de apenas uma. Assim, pode alguém ser feliz sozinho??? Mas da mesma forma me pergunto: pode alguém ser feliz apegado a alguém?

O homem só pode ser feliz se abençoado pelo Superior. E ele não escolhe isso. É arrogância, segundo meu entendimento, achar que se pode ser feliz sozinho ou escolher ser feliz. O homem pode escolher buscar o caminho da espiritualidade, buscar o caminho de Deus, como suprema meta de sua vida. Sozinho pode-se chegar a alturas maiores que a própria felicidade. Mas o sofrimento de qualquer homem me diminui. Isso é um ponto em que toda humanidade se questiona, como se fosse um paradoxo...

Lembre-se dos exemplos dos Bodisatwas, os Budas de Compaixão, em que em busca que trazer paz à humanidade se dispõem a trabalhar e prol do engrandecimento de seu próximo. Muito claramente Jesus também diz que o resumo dos dez mandamentos é “amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo”. E se não houver próximo, como fazer?

Como solução a este aparente paradoxo de felicidade, apego e desapego, existe um ensinamento budista que se chama “caminho do meio”. Ou seja, nem totalmente tenso e nem totalmente frouxo, mas na medida certa. Na busca de encontrar o caminho certo, não busquemos relaxar nossos compromissos com o próximo, e nem afogá-lo com nossa insegurança e com nosso apego a ele. O Caminho do meio passa por se entender que “nenhum homem é uma ilha”. E que se fôssemos totalmente independentes uns dos outros, não haveria sequer necessidade de pais, mães, filhos e filhas.

Existe um ponto em que o homem pode prescindir totalmente do outro? Sim, quando compreender que o “outro” é apenas uma ficção. Que não existe o outro, mas Deus e tão somente Deus (namastê). Mas antes de compreender isso, a afirmação de que se é totalmente independente do outro, ou totalmente dependente, pode soar à compreensão  como arrogância ou ignorância. Por isso: Luz, para iluminar a compreensão; Paz, devido à fuga da ignorância e estabelecimento da Luz; Amor para disseminar a Luz que recebeu e eliminar a ignorância em direção a Deus.

terça-feira, março 20, 2018

Um poema antigo...

I - Intróito

Surdamente, no fundo de um lago plácido
um vulcão espera o momento certo
de ferver e explodir:

Vê-se que a superfície não obedece
àquilo que o coração conhece
e quer expandir.

II - Dúvida

Uma barca serena, que em mim navega
toca-me sua quilha inquieta
com o vento a soprar.

Serei eu, um parvo, geografia e farol
neste imenso lago profundo
para quem quer navegar?

III - O lago, na verdade...

Extravasando-se de tudo, iluminando-me,
o Céu transmuta-se no atlas
que me há de nortear.

Superfície e fundura se casam no tempo:
No perfeito esponsal da alma
já não há o que nomear.


Para MRRS