sábado, dezembro 16, 2006

Lembre-se de Si

Depois de uma longa viagem, Nasrudin deu de cara com uma turbulenta multidão em uma grande cidade. Nunca havia visto um lugar tão grande e lhe confundiam a cabeça todas aquelas pessoas amontoadas pelas ruas.

"Num lugar assim", refletia Nasrudin consigo mesmo, "fico imaginando como é que as pessoas fazem para não se perderem de si mesmas, para saberem quem são."

Então, pensou:

"Devo recordar-me bem de mim, caso contrário poderia perder-me de mim mesmo".

Mais que depressa, procurou uma hospedaria.Um sujeito brincalhão estava acomodado numa cama próxima àquela reservada a Nasrudin. O Mullá pensou em fazer a sesta, mas estava diante de um problema: como encontrar novamente a si mesmo ao acordar. Confidenciou seu problema ao vizinho.

"Muito simples", disse o tal brincalhão. "Aqui tem um balão. Basta amarrá-lo na sua perna e ir dormir. Quando acordar, procure o homem com o balão e esse homem será você."

"Excelente idéia", disse Nasrudin.

Algumas horas depois, o Mullá acordou. Procurou o balão e o achou amarrado na perna do vizinho brincalhão.

"É, esse aí sou eu", pensou.

Então, apavorado, começou a sacudir o sujeito:

"Acorda! Algo aconteceu, do jeito que eu imaginei que aconteceria! Sua idéia não foi boa!"

O homem acordou e perguntou qual era o problema. Nasrudin apontou-lhe o balão.

"Pelo balão, posso dizer que você sou eu. Mas se você sou eu, pelo amor de Deus, quem sou eu?"

Corpo-Alma-Espírito

O Espírito é a raiz do ser, ou seja, é Deus. Na Bíblia vemos a palavra "espírito" sendo utilizada em referência a Deus: "o Espírito sopra onde quer".

A alma provém do espírito e está relacionada ao ser manifestado mais em sua relatividade. A imagem que me vem é a do Sol (espírito), o raio do sol (alma) e a terra (corpo). O raio do sol é o que ilumina a terra, pois o sol não pode vir à terra iluminar, sob pena de fulminar todo o planeta. Lembro-me, inclusive, neste momento, de um verso de Rilke que diz que "todo anjo é terrível"! Ou seja, que a majestade espiritual é muito forte.

O espírito anima (anima, a palavra latina que originou a palavra alma, que significa sopro, se não estou enganado) o corpo através da alma, que é a ponte que liga matéria e espírito. Na formação da alma surgem dois aspectos: A alma superior (aspecto mais ligado ao espírito) e a alma inferior (aspecto mais ligado à matéria, ao corpo). Esta, a alma inferior (também chamada psique inferior), está muito conectada àquilo que pensamos, sentimos e fazemos. Por esta razão que as religiões fazem todo o possível pra que as pessoas estejam equilibradas neste aspecto, pois a subida delas a estados superiores do Ser vai depender de uma psique inferior equilibrada, sem contradições. A alma, portanto, é o campo no qual devemos trabalhar para o aperfeiçoamento.

A alma superior é a antena da essência, ou seja, é através dela que o homem conhece a divindade. Se a Divindade se apresenta ante o homem, a percepção dEla vem através da psique superior.

segunda-feira, novembro 27, 2006

À Bacante

Um suave poema tocou em minha calma
Um murmúrio de asas e trombetas
Assinalando as portas abertas
que existem em minha alma.

Será que quando as mexo e toco
Em tua consciência tu despertas
e te colocas em aguda atenção
por estes murmúrios que provoco?

Sou um aventureiro buscando a rota
pelo teu desconhecido oceano
e pela senda intocada de teu peito...

Sou um pescador que não aporta
quando reconhecido algum engano,
ou quando tenho amor em meu leito!

* Achei este poema em meus arquivos. Pelo estilo, acho que é meu. Se alguém tiver prova em contrário, que ma forneça... :-)

quinta-feira, novembro 23, 2006

O Autoconhecimento

Os acontecimentos em nossas vidas vinculam-se a nossos processos mentais, ou seja, que os acontecimentos externos são ecos de nossa vida interior. Muitas vezes sofremos revezes e não sabemos entender que tais situações aparentemente adversas resultam do equilíbrio que a vida tenta imprimir em nós.

Muitas vezes, também, coisas aparentemente ruins neste plano horizontal são interpretadas como desgraças, e a velha pergunta ("por que coisas ruins acontecem com pessoas boas"?) vem a nossos pensamentos.

Contudo as coisas acontecem por estarem enraizadas em nossas mentes. Se buscarmos "A", não vem "B"; se pensarmos e quisermos "A", e falarmos para os outros que queremos "B", vem "A", pois fixamos nossos corações em "A". Neste último ponto as pessoas dizem que a vida é uma incerteza, e alguma razão existe para isso: Numa existência cumulada de variedades e dispersões, encontrar algo firme parece-nos tarefa impossível.

As pessoas pensam: "foi a mente que nos traiu", mas não é a mente que nos trai, somos nós que, não nos conhecendo suficiente pra enxergar o que somos verdadeiramente, não entendemos nossos processos mentais. Muitas vezes a mente está dizendo uma coisa que não somos capazes de escutar, devido à nossa própria ignorância de nós mesmos. Aí, então, este processo mental vem à tona, aparentando ser uma "surpresa", mas as raízes dessa "surpresa" já estavam estabelecidas pelos nossos processos mentais já havia algum tempo.

Porém, quando começamos a entender como a mente age, começamos a perceber que nossa vida é construída conforme nossos pensamentos, sentimentos, palavras, ações. É necessário, portanto, aprender a conhecê-la, pra que não existam surpresas desagradáveis. Como diz o ditado: "quem plantou abacaxi, não pode colher mamão".

Mas existe algo como conhecer a mente? Isso é tema pra uma reflexão mais profunda, pois como o instrumento pode se utilizar para trabalhar a si mesmo? Como o martelo pode se bater? Ou a chave se apertar? Na realidade precisamos conhecer o "Si Mesmo", que é a raiz metafísica da mente. E conhecer a si mesmo demanda uma diversidade de trabalhos interiores e exteriores, que, quando vemos o caminho a ser trilhado, já perdemos o fôlego (uma outra perspectiva, mais zen: se não existe o espelho, onde se acumulará a poeira? Se não existe caminho, como caminhar?).

Quem conhece a "Si Mesmo" conhece o seu Senhor. Esta é a única tarefa que devemos realizar perfeitamente em nossas vidas. E apesar dos contrastes que tal processo envolve (tristezas e alegrias; dores e prazeres), nós devemos entender que só apreciamos o valor da luz, comparando-a com sombra. O Baghavad Gita diz o seguinte:

"Aquele que não se apega, que é amigo sincero de todos os seres vivos, que não tem senso de posse; que tem a mesma atitude na tristeza ou na alegria, que é sempre determinado, tendo a mente e o intelecto harmonizados comigo, é muito querido a Mim".

Portanto, a questão não é prazer ou dor; tristeza ou alegria; o autoconhecimento é o caminho que se trilha para se transcenderem todas as coisas.

sábado, novembro 18, 2006

Amor e Justiça

"Quando se comportam com humanidade, até aqueles que se proclamam ateus, respeitam a essência de cada religião: o amor. O amor preenche todas as tarefas humanas. Sem o amor, a justiça é uma espada; com o amor ela é abraço fraterno. O amor é a síntese da Lei". (Oscar A. Romero)


A Justiça e o Amor têm que estar equilibrados dentro de nós. Amor e Justiça são como que dois lados de uma balança, daquelas antigas de dois pratos: a mais sensível oscilação de um lado já interfere no outro também. Está claro que tanto um quanto outro conceito são, dentro de nosso ponto de vista, os que utilizamos para demonstrar uma realidade deste plano em que nós vivemos, o plano material, pois na Divindade, Amor e Justiça estão unidos, inseparáveis. Contudo, com nossa tendência para a dualidade, nós os separamos em nossos corações, provocando então um desequilíbrio que antes não existia. O conhecimento antigo entendia que o amor sem justiça transformaria o homem num fanático, e que a justiça sem amor transformaria o homem num tirano.

Portanto, quando na citação acima o sr. Oscar A. Romero diz que sem o amor a justiça é uma espada, é porque ela fere, porque é tirana e não enxerga através do amor, pois o Amor é quem dá visão à Justiça, e é a Justiça que dá a prática, a base, a sustentação neste plano terreno ao Amor para que Ele se cumpra, e o plano de Deus aconteça em nosso Universo. Portanto, se formos pegar o conhecimento chinês, Justiça é Yin, Amor é Yang. Quando equilibrados são a perfeição.

Quanto à dizer que o “amor é a síntese da lei”, o Sr. Oscar A. Romero, pelo que podemos entender, ele nos remete a uma união entre Céu e Terra. Primeiro, para abordar com mais acerto, devemos examinar superficialmente o que quer dizer “síntese” na frase mencionada (qual dos sentidos desta palavra que está sendo utilizado na frase).

A síntese não é um agrupamento de idéias, tal qual uma colcha de retalhos. A síntese é a fusão de idéias que, apesar de aparentemente díspares quando apanhadas em separado, formam, assim que fundidas, um todo coerente e harmônico. Ou seja, a síntese busca encontrar a essência (e sempre descobre que toda a essência nos remete a Deus) e, através da essência, une tudo em um todo congruente.

Então, aquele que faz a síntese reconhece atrás das coisas a raiz oculta que elas trazem consigo, ou seja, a raiz divina e espiritual, a assinatura de Deus. A partir do momento em que alguém tem uma profundidade espiritual tamanha pra enxergar a Realidade das coisas, que Ela não provém deste plano mas de outro superior, é capaz de saber como encaixá-las num todo harmônico e efetuar a síntese.

Outra coisa que se costuma confundir é Lei e justiça. A Lei é a raiz da justiça. Justiça é aplicação, ação, prática da Lei, sendo esta a origem da justiça.

Neste caso, quando o autor diz que o Amor é a síntese da Lei, ele está se reportando a questões superiores à justiça e ao amor tal como mencionamos logo no princípio, pois a justiça e o amor neste plano em que vivemos, conforme dissemos, são entendidos como uma dualidade. Este Amor que ele menciona, que entendemos de ordem superior, é um aspecto de Deus que neste plano reconhecemos através do amor pessoal, concretizado no amor ao próximo. E, somente como forma de esclarecimento, alguns homens mencionam Deus de uma forma não personalista como "A Lei que a tudo e a todos rege", ou seja, como o ponto central através do qual toda a criação tem seus parâmetros.

Quando existe o Amor, Deus está presente. Quando existe o Amor, aquele que ama, na realidade ama a Deus. E quando ama, percebe que quem ama através de si mesmo é Deus.

Então, a partir do momento em que reconhece a essência, realiza a síntese em si mesmo. Por este motivo o amor é a síntese da Lei (da mesma forma com que a justiça também é a síntese da Lei!), porque a Lei (O Grande Arquiteto do Universo: Deus), em sua totalidade e glória ainda está inacessível a nós. E uma das características da síntese é ser uma espécie de resumo, pois a fusão tira o caráter de multiplicidade (muitas coisas separadas) e consegue a Unidade, que é um atributo da Divindade.

sexta-feira, novembro 10, 2006

O VALOR DE UM TESOURO ESCONDIDO

Vivia na China um sacerdote rico e avarento. Amava jóias e as colecionava, acrescentando constantemente novas peças ao seu maravilhoso tesouro escondido, que guardava a sete chaves, oculto de olhos que não fossem os seus. O sacerdote tinha um amigo, que um dia o visitou e manifestou interesse em ver as jóias.

- Seria um prazer tirá-las do esconderijo, e assim eu poderia olhá-las também.

A coleção foi trazida, e os dois deleitaram os olhos com o tesouro maravilhoso por longo tempo, perdidos em admiração. Quando chegou o momento de partir o convidado disse:

- Obrigado por me dar o tesouro.

- Não me agradeça por uma coisa que você não recebeu - disse o sacerdote. - Como não lhe dei as jóias, elas não são suas, absolutamente.

- Como você sabe - respondeu o amigo. - senti tanto prazer admirando os tesouros quanto você, por isso não há essa diferença entre nós como pensa. Só que os gastos e o problema de encontrar, comprar e cuidar das jóias são seus.

O AMOR (EM TRÊS ATOS)



I - Espiritual

Eu sou o caminho para a Unidade
Onde o peregrino encontra a Paz.
Trilhando nesta via da Verdade,
Encontrarás Deus mais e mais.

Eu sou o lenitivo da opressão,
Que faz aplacar toda a dor
Daquele que me pede guarnição:
Por isso que me chamo Amor!

O que bebe em minha Fonte
Muito além do horizonte
Obtém de mim a Eterna Vida.

O que me tem no coração,
De Deus recebe a salvação,
E a Alma a Ele fica unida.


II - Psíquico

Quando duas almas se encantam
E ambas são unidas na Eternidade
A Natureza Divina toda canta
Pois estão mais perto da Verdade.

Beleza há para todo o ser amar
Na busca da Divina Perfeição.
Para isso, é preciso aperfeiçoar
Cada vez mais o seu coração.

Pois todo coração é uma taça
Em busca da beleza superior
Que é a lei de Deus quando cumprida.

E, por mais que cada um faça
Só o que se realiza no amor
Realiza em si a missão de toda vida.


III - Físico

Beleza há quando dois corpos se conhecem
E a Eternidade vem habitar em seu leito.
É a hora que todos amantes não se esquecem:
O coração pulsa mais forte dentro do peito.

Esta forma singela de nosso amor expressar
É a forma mais bela que Deus criou para nós.
Um corpo encontrando outro para amar
Expressa Sua Vontade: não fiquemos sós.

Dizer-te, portanto, que te amo neste momento,
E que em todos os níveis estou pleno deste Amor,
Pode ser que para ti isto não signifique nada.

Mas Deus não quer um filho seu no tormento
Pois fala a meu coração: “Filho meu, sentir esta dor
Significou colocar o pé nesta Divina Estrada”.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Minha principal busca...

Minha principal busca é o autoconhecimento... A maior parte de minha vida foi direcionada neste sentido: conhecer a verdade que está em meu coração. As ingerências da Vida são os adjuvantes necessários que me levam a esta meta.

Vejo que eu sou um oceano, e que no fundo dele tem uma pérola... esta pérola é meu próprio coração. E aquilo que dá valor a esta pérola chama-se “Amor”, sendo o “Amor” sinônimo do conhecimento do coração. O dia em que tiver fôlego suficiente para mergulhar neste oceano e buscar esta pérola de verdade (que está escondida em mim), finalmente terei chegado a meu destino.

Entendo, com isso, que não se devem traçar planos pré-estabelecidos por mim, mas que devo deixar que a vida trace meus planos, buscando, dentro do possível, estar de acordo com minha própria natureza. Ou seja: uso meu discernimento para escolher o que eu devo fazer dentro incomensurável riqueza da vida. O único trabalho que tenho é que este discernimento esteja aguçado, ou seja, que ele seja capaz de tirar vendas, véus e máscaras que impedem com que a Realidade seja encarada.

Não falo tudo que penso...

Eu não falo tudo que penso. Utilizo, antes, de uma peneira mental para dizer as coisas. Dentro de meu entendimento, nós devemos chegar ao coração das pessoas para que nossas idéias sejam aceitas, ou seja: há a necessidade de se comunicar, trazer à tona algo em comum.

A simples imposição de nossas opiniões não faz com que exista transformação; nem interna (a de si mesmo), nem externa (a do próximo). Quem assim age cria uma fileira de inimizades e mal-entendidos.

Dentro de minha vida, magoei muitas pessoas sem necessidade devido a uma arrogância, fruto do orgulho. Agora, tenho sido mais comedido no dizer o que penso, porque busco um destino certo, tendo como alvo o coração de quem me escuta.

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Minha principal busca é o autoconhecimento... A maior parte de minha vida foi direcionada neste sentido: conhecer a verdade que está em meu coração. As ingerências da Vida são os adjuvantes necessários que me levam a esta meta.

Vejo que eu sou um oceano, e que no fundo dele tem uma pérola... esta pérola é meu próprio coração. E aquilo que dá valor a esta pérola chama-se “Amor”, sendo o “Amor” sinônimo do conhecimento do coração. O dia em que tiver fôlego suficiente para mergulhar neste oceano e buscar esta pérola de verdade (que está escondida em mim), finalmente terei chegado a meu destino.

Entendo, com isso, que não se devem traçar planos preestabelecidos por mim, mas que devo deixar que a vida trace meus planos, buscando, dentro do possível, estar de acordo com minha própria natureza. Ou seja: uso meu discernimento para escolher o que eu devo fazer dentro incomensurável riqueza da vida. O único trabalho que tenho é que este discernimento esteja aguçado, ou seja, que ele seja capaz de tirar vendas, véus e máscaras que impedem com que a Realidade seja encarada.

Uma nota explicativa sobre Spoon River

"Spoon River é uma cidade americana fictícia, no século 19, e sua "antologia" [escrita por Edgar Lee Masters] contém, na verdade, relatos póstumos de 243 habitantes. Eles contam suas histórias e, na condição de mortos, podem usar da mais crua sinceridade. A cada personagem corresponde um poema, batizado com seu nome: "George Trimble", "Dora Williams", "Paul McNeely". Para o leitor, é como se ele visitasse o cemitério de Spoon River e lá ouvisse os relatos ou os lesse nas inscrições dos túmulos."
"Em certos casos, a leitura se transforma numa espécie de jogo, pois vários dos defuntos-narradores (eles seguem o esquema do Brás Cubas!) mantiveram em vida relações de negócio ou parentesco. Então, é fácil imaginar: todos os podres aparecem. Para dar mais sabor à trama, em Spoon River, quase todos os finados levaram para o túmulo um segredo associado a alguma violência ou indignidade cometida ou sofrida durante a vida."

Carlos Machado (extraído do site: http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet006.htm )

O Ateu da Aldeia (Edgar Lee Masters)

Ouvi-me, jovens discutidores da doutrina
da imortalidade da alma,
eu, que aqui jazo, era o ateu da aldeia.
Loquaz e polêmico, versado nos argumentos dos infiéis.
Mas no curso de uma longa enfermidade,
enquanto tossia até arrebentar,
li os Upanishades e a poesia de Jesus,
que acenderam uma tocha de
esperança e de intuição
e de desejo, que a Sombra,
me guiando rapidamente através
das cavernas de trevas,
não poderia extinguir.
Escutai-me, vós que viveis nos sentidos
e só através dos sentidos:
A imortalidade não é uma dádiva.
A imortalidade é uma obra;
e só aqueles que lutarem com denodo
conseguirão obtê-la.

A última lápide de Spoon River

A Edgar Lee Masters


Trabalhava na região de Spoon River
e cria ser em todos os desejos insaciável.
Estrangulava as almas até que abdicassem
de suas vozes e suas dores.

Acreditava ter uma fonte inextingüível nas mãos.
Mas as almas colhidas foram abandonando meu celeiro
em direção a alguma parte mais eterna e inefável,
como árvores fortes crescendo nas campinas
roubando-me o prazer que é
o da solidão que as almas não podem conter.

Spoon River foi-se diluindo na vegetação
onde as florestas abandonam suas fronteiras
e o algodão começa a se acomodar nas urzes.
Spoon River foi minha última colheita
em sua solitária loucura e abnegação
enquanto suas ruas sorriam e me diziam:
“Matéria no tempo... matéria no tempo...”

Ah! Agora que estou só
peço a todos perdão pela minha natureza.
Só, junto a este campo de ervas
onde ruínas e lápides apascentam.

Que me perdoem o desconhecido e o ateu;
os MacNelly, os Meyer, os Willians,
enfim, peço a todos que me perdoem o espírito
ainda que se lhes pareça vão e incompreensível.

Assim mesmo, deposito o que me resta
sobre estas ruínas de campas,
esperando pelo Juízo-Final,
pois sei que a Misericórdia Divina é mais ampla,
e o que o homem não soube compreender,
Deus o saberá.

Para Liza Hite


" Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo:
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim."
(Sá de Miranda)

Sinto-me terrivelmente iluminado
Quando penso em Ti
Refugiando-Te de/em meus interiores.

Mantenho minhas portas fechadas,
Porém, utilizas das janelas
Quando a casa me vens visitar.

Pela fechadura, apenas o pó dos relógios:
passado e futuro,
chave do que sou, horas
em que tenho insistido meu cofre interior
e meus necrológios.

Pela porta apenas o trivial:
Quando vens habitar-me,
Sou-Te um trono irreal,
Não o banco espancado
Que ocupa meu quintal...

Logo, não mais portas ou janelas.
Apenas, a árvore constante chamada a frutificar,
de sombra meiga e singela
que me reduz a Teu mistério e me refrigera.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Ainda sobre a comunicação...

O não entendimento não significa necessariamente uma confusão.

Não entender uma coisa significa não conseguir ler a mensagem, ou seja, as informações e o conhecimento que se tem não são suficientes para a decodificação desta. Quanto à compreensão ela se refere não mais à superfície da mensagem, que é como o código funciona, mas à sua natureza simbólica.

Dentro deste sentido, a mensagem tem um valor. Quando alguém que tenha recebido a mensagem (seja de que forma for: escrita, oral, visual, etc.), consegue absorver os valores que a mensagem desperta, então diz-se que esta pessoa “compreendeu”. Sabe-se que o valor não pertence necessariamente à mensagem, mas aos homens. Sejamos mais claros: Se alguém diz a outrem “eu te amo”, as duas pessoas estão se comunicando. O entendimento é claro e evidente, agora a compreensão ou esbarra ou é impulsionada pelos valores internos de cada um. Para uns, dizer “eu te amo” significa uma atração física; para outros a mesma frase significa uma purificação do caráter.

Quanto à confusão, no caso, é fundir dois entendimentos sem retirar deles uma necessária síntese. A confusão, neste caso, significa desorientação. Ou seja, a mensagem atinge o campo psicológico, encontrando no interior do receptor um entendimento pré-estabelecido, sem ter força suficiente para se tornar uma nova forma de compreensão pessoal, fazendo com que o receptor mantenha duas fortes tendências de pensamento. A mensagem atinge o campo psicológico quando mexe com os sentimentos, gerando um histórico emotivo, seja de repulsa, de medo, de angústia, ou vice-e-versa: de alegria, de conforto, etc.

No entanto quando existe confusão, existe desorientação. Quando existe não entendimento, não necessariamente existe confusão. Por quê? Porque a mensagem não atingiu a parte mais profunda do ser, não mexeu com as verdades pessoais, não atingiu o centro do ser humano.

Neste caso, pode haver quanto ao receptor da mensagem uma paciência no sentido de esperar um momento melhor para absorver a mensagem mesma. No entanto, quando existe confusão, a mensagem entra de forma desordenada, juntando informações desconexas, sem conseguir chegar a um ponto de equilíbrio.

Uma mensagem causa confusão quando é enviada com uma energia não ordenada: da forma errada, no momento errado, etc. Dentro da mesma perspectiva, a pessoa que emite a mensagem, se tem clareza interior, sabe distinguir, necessariamente o momento certo e a forma certa de encaminha-la, emitindo junto com a mensagem a energia necessária para seu entendimento e compreensão. Agora, se a mensagem sai truncada, o responsável por isso é seu emissor, não o receptor.

Se o emissor não está tendo clareza suficiente no enviar a mensagem é porque não consegue enxergar de forma clara o que acontece em seu coração, ou não consegue enxergar o coração do receptor, fazendo com que os corações não se comuniquem da forma correta.

Quando os corações se comunicam da forma correta poucas palavras são suficientes para se chegar ao entendimento, e pouco tempo para se chegar à compreensão. Quando os corações não estão se comunicando da forma correta, fala-se muito mas o entendimento não é recebido, ou é recebido de uma forma truncada, o que faz com que o receptor tenha confusão.

sábado, outubro 14, 2006

Um poema de Jorge Carrera Andrade


Amor é mais que a sabedoria
é a ressurreição, a segunda vida.
O ser que ama revive
ou vive em dobro.
O amor é a síntese da terra,
é luz, música, sonho
e fruta material
que saboreamos com todos os sentidos.
Oh, mulher que penetras minhas veias
como o céu nos rios!
Teu corpo é o país de leite e mel
ao qual recorro sedento.
Me abrevio em teu semblante de água fresca,
de riacho primordial
em minha jornada ardente até a origem
do manancial perdido.
Mineiro do amor, cavo sem trégua
até achar o filão do infinito!

Do outro lado, apenas o silêncio...

Para os que gostam de poemas românticos e juvenis, aqui vai um material ao gosto comum. Um pouco cheirando a melaço, mas achei, ainda assim, interessante. Quando foi escrito? Não sei, mas faz muito, muito tempo... (rs). Tomei apenas a liberdade de corrigir algumas coisinhas, senão seria insuportável!

(..........................................)

Do outro lado, apenas o silêncio.
Tal qual o arqueiro que não vê seu alvo
Abrindo as cortinas da noite,
Assim envio estas palavras.

No canto da memória,
Uma imagem me diz da tua face.
Recordando-me de ti,
Busco-me no alento de te encontrar.
Dentro da noite,
Apenas um silêncio interior...

Pode o amor em amizade tornar-se?
Como poderia então desprezar
A raiz que se aconchegou em mim
E fez-se fruto de meu sentir?
Como subtrair-me de minha entranha
Carregada toda ela de ti?

A noite adentrou meu espanto, e seu vento
Transfigurou as estrelas de meu firmamento.

Dentro da memória, a vastidão de mim
Preenchida pela tua recôndita vastidão.

Tanto coração ainda por conhecer,
Tanta geografia ainda por sentir,
E a noite estendeu seu triste manto
Sobre mim.

Em noites como essa, estavas em meus braços.
Como não haver sucumbido a tuas palavras?
Como não haver amado o corpo onde vives
Ou este coração onde ainda habitas?

Quisera que permear-me em teu coração,
Mas o que temia, aconteceu:
O amor tornou-se silencioso em tua boca,
E, quem sabe, já não é meu.

Sentimentos, pensamentos e ações.

As questões interiores devem ser tratadas com urgência, principalmente no que concerne a sentimentos e pensamentos. No entanto, existe a necessidade de primeiro saber como enfrentar seus defeitos. Aquele que tem coragem de enfrentar-se deve buscar prestar atenção em três termômetros que funcionam como sentinelas do caráter: sentimentos, pensamentos e ações.

Deve-se levar em conta, contudo, que ações provêm, na maior parte das vezes, de pensamentos e sentimentos*. Portanto, estes funcionam como raízes daquelas. Tomando isto como base, óbvio que não será transformando as ações em primeiro lugar que se terão mudados os sentimentos e pensamentos, mas ao contrário, pois o mais profundo domina o mais superficial.

Por este motivo, qualquer mudança externa somente acontecerá depois de uma mudança interna, ainda que tênue. Contudo, não se pode desprezar as atitudes pois, quando regidas por uma vontade consciente, elas próprias funcionam como adjuvantes neste processo de transformação interna.

Pode-se ter como exemplo algo trivial: um “alcoólatra”** decide transformar-se e, para iniciar esta transformação, pára de beber. Esta abstenção de bebidas alcoólicas, com certeza funciona como poderoso colaborador na transformação que há de vir. Outro exemplo: buscando ter um conhecimento mais aprofundado de si mesmo alguém, por este motivo, começa a meditar e, para iniciar a meditação, inicia fazendo exercícios respiratórios. Estes exercícios são básicos para todo um processo meditativo, principalmente quando se está iniciando.

Ao se examinar com maior profundidade a razão de que estes processos fisiológicos colaborem com o processo de transformação interna, tem-se como resposta que o homem é a ponte entre céu e terra. Deve unir estes opostos no âmago de seu coração, realizando, com isto, um processo transformador e transcendente. E iniciar esta transformação através de um processo fisiológico equivale a construir um berço para que a verdade possa nascer em seu interior, ou melhor, florescer.

Em sendo assim, quando se emite uma mensagem consciente para o corpo se está, na realidade, unindo céu e terra dentro de si: o céu dos influxos espirituais e a terra da ação física consciente. E esta ação é, na realidade, o correspondente reflexo do Céu no corpo, a transcendência dos processos habituais, processos estes que levam as pessoas a se acomodarem numa forma de percepção.

E dentro deste mesmo sentido, quando se faz a conexão das coisas superiores com as inferiores, tendo aquelas como fontes destas, no momento em que se conecta terra e céu, conhece-se, realiza-se: A mensagem Divina que cada um carrega em seu interior desde quando nasce começa a ser lida. E a busca deste conhecimento, desta realização é, na verdade, o motivo de se estar vivo. Tudo gira em torno deste pivô. Todas as coisas falam desta busca, ainda que não se entenda a linguagem de tudo quanto há.

(*) Dizemos na maior parte das vezes porque, quando alguém tem um grau de realização maior, as ações começam a vir do Superior, sendo o indivíduo apenas um veículo de manifestação (como Paulo disse: “Já não sou eu quem vive: Cristo é quem vive em mim”).

(**) Dentro de meu entendimento, um homem sempre será um homem; o “alcoólatra” é apenas uma percepção enganada da realidade interna daquele indivíduo.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Quem é o aprendiz? (1)


Quando eu tinha cerca de dezoito anos, ouvi pela primeira vez a frase: “quando o discípulo está pronto, o Mestre aparece”. Esta frase é muito utilizada nos meios ocultistas, e até o presente momento não sei sua origem. Contudo, tenho a observar algumas coisas que percebi enquanto ouvinte daqueles que a expressavam. Segundo essas mesmas pessoas, em sua maioria, o discípulo é aquele que já está preparado para a transcendência, que lhe será dada pelo Mestre que aparece. Ou seja, alguém, para ser um discípulo deve conhecer uma gama de coisas tais que, ao receber o Mestre, este apenas vai lhe dar alguns breves retoques nestes conhecimentos adquiridos.

No entanto, depois de diversas vezes em que ouvi esta frase, um dia percebi uma nova perspectiva dela, qual seja: “Quando o Discípulo está pronto, o Mestre aparece”... Neste caso, quem é o discípulo? Discípulo é aquele que se dispõe a estudar a matéria que se lhe é apresentada, ou melhor, que se dispõe a estudar e vivenciar o que se lhe apresenta. Em sendo assim, o discípulo (ou o aprendiz) é aquele que se dispõe a aprender ( conforme a origem etimológica da palavra “discípulo”, ela provém do latim discipulus e este de discere ou disco (aprender), ou seja, o que aprende (posição ativa diante do ensinamento) ou que se deixa ensinar (posição passiva).

Mas a disposição de aprender, de ser um aprendiz, de se portar como um discípulo, tem um ato prévio extremamente importante: o de se esvaziar. Porque, segundo o que pude compreender, se o homem não está vazio de seu ego, de seus pseudo-conhecimentos, de suas insatisfações, na realidade ele não está preparado para o aprendizado. Se o cálice está cheio, como poderá ele reter o conhecimento? Onde o guardará? Se o coração está prenhe de ignorância, como poderá conceber em seu interior a verdadeira linguagem do coração? Portanto, é de total importância que o discípulo esteja vazio para que se possa preencher pelo conhecimento reparador de um mestre.

E este esvaziar-se, esta morte para uma fase de sua vida torna-se, na verdade, um nascimento para o aprendizado (já que, segundo uma perspectiva espiritualizada, a morte não existe enquanto fim em si mesma, mas apenas como passagem entre estados). Esta passagem do mundo profano para o sagrado requer o desapego intenso das coisas que o prendem nas perspectivas mundanas. A ótica deve ser mudada, e desconsiderado não aquilo que aprendeu até então, mas a perspectiva adotada para compreender o ensinamento. Ou seja: Tudo acontece na simplicidade do interior, simplicidade que existe, veja-se bem, quando despido das coisas materiais e embebido da espiritualidade.

Concluindo, o início do aprendizado começa quando nos entendemos ignorantes. E no momento que nos reconhecemos não sabedores, entramos em contato com a verdadeira fonte do conhecimento, a luz transformadora do ser, o verdadeiro Intelecto: Deus.

terça-feira, outubro 03, 2006

Mais sobre a importância de se comunicar

Interessante que na semana passada eu falei sobre a "IMPORTÂNCIA DE SE COMUNICAR". Hoje recebi um texto do poeta Sufi (árabe) Rumi. Vejam que interessante (será que estou plagiando as idéias dele? rs):

(....................)

ENCONTRO DE ALMAS

Vem.
Conversemos através da alma.
Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos.

Sem exibir os dentes,
sorri comigo, como um botão de rosa.
Entendamo-nos pelos pensamentos,
sem língua, sem lábios.

Sem abrir a boca,
contemo-nos todos os segredos do mundo,
como faria o intelecto divino.

Fujamos dos incrédulos
que só são capazes de entender
se escutam palavras e vêem rostos.

Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.

Como podes dizer à tua mão: "toca",
se todas as mãos são uma?
Vem, conversemos assim.

Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.

Vem, se te interessas, posso mostrar-te.

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Um abraço a todos os visitantes!

sábado, setembro 30, 2006

O HOMEM E A MULHER (Victor Hugo)

“O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.

O homem é o cérebro.
A mulher é o coração.
O cérebro fabrica a luz,
o coração produz amor.
A luz fecunda,
o amor ressuscita.

O homem é forte pela razão.
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence,
as lágrimas comovem.

O homem é capaz de todos os heroísmos.
A mulher de todos os martírios.
O heroísmo enobrece;
o martírio sublima.

O homem é um código;
a mulher é um evangelho.
O código corrige;
o evangelho aperfeiçoa.

O homem é um templo,
a mulher é um sacrário.
Ante o templo nos descobrimos;
ante o sacrário nos ajoelhamos.

O homem pensa.
A mulher sonha.
Pensar é ter no crânio uma larva.
Sonhar é ter na fronte uma auréola.

O homem é um oceano.
A mulher é um lago.
O oceano possui a pérola que adorna;
o lago, a poesia que deslumbra.

O homem é a águia que voa.
A mulher o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço;
cantar é conquistar a alma.

Enfim, o homem está colocado onde termina a terra
e a mulher onde começa o céu”.

Convivência (desconheço o autor)

Durante uma era glacial, muito remota, quando parte do globo terrestre esteve coberto por densas camadas de gelo, muitos animais não resistiram ao frio intenso e morreram indefesos por não se adaptarem às condições do clima hostil. Foi então que uma grande manada de porcos-espinhos, numa tentativa de se proteger e sobreviver, começou a se unir, a juntar-se mais e mais. Assim, cada um podia sentir o calor do corpo do outro.

E todos juntos, bem unidos, agasalhavam-se mutuamente, aqueciam-se, enfrentando por mais tempo aquele inverno tenebroso. Porém, vida ingrata, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, justamente aqueles que lhes forneciam mais calor, aquele calor vital, questão de vida ou morte. E afastaram-se feridos, magoados, sofridos. Dispersaram-se, por não suportarem mais os espinhos de seus semelhantes. Doíam muito ...

Mas, essa não foi a melhor solução: afastados, separados, logo começaram a morrer congelados. Os que não morreram voltaram a se aproximar, pouco a pouco, com jeito, com precauções, de tal forma que, unidos, cada qual conservava uma certa distância do outro, mínima, mas o suficiente para conviver sem ferir, para sobreviver sem magoar, sem causar danos recíprocos. Assim, suportaram-se, resistindo à longa era glacial. Sobreviveram.

sexta-feira, setembro 29, 2006

A importância de se comunicar...

Comunicar é um fator extremamente importante. Quando temos em mente que a forma com que nos relacionamos com o mundo é uma comunicação, ou seja, que tanto a porta para o crescimento interior, quanto a que existe para a destruição, está na forma com que nos comunicamos, vemos o quão irrelevante tem sido para nós a verdadeira comunicação.

A etimologia da palavra, ou seja, sua origem, nos reporta à idéia de “algo em comum”. Então vejamos: “lat. communìco, ás, ávi, átum, áre 'pôr em comum, dividir, partilhar, ter relações com, comunicar'”. Dentro deste sentido, existe a necessidade de, primeiro, termos algo em comum para que se estabeleça qualquer comunicação. Claro que um idioma é o canal necessário onde este “algo em comum” une duas consciências. O idioma une onde a incompreensão desune. Devemos ressaltar que um idioma não necessariamente, neste caso, deve ser formado de palavras, mas notadamente de idéias, ou melhor, de símbolos através dos quais estas idéias se expressam.

E, neste caso, existe uma gramática utilizável, que ordena a natureza do idioma e torna possível ele ser inteligível para todos que se comunicam. E pode ser que esta gramática somente exista para aqueles que entraram em processo de comunicar-se.

Por este motivo, alguém pode dizer, como já disse o poeta Jaime Sabines: “(...) as melhores palavras do amor estão entre duas pessoas que não se dizem nada”. E mais pra frente, neste mesmo poema (Espero curarme de ti) o poeta escreve: "Deve-se queimar também esta outra linguagem lateral e subversiva do que ama. (Tu sabes como te digo que te quero quando digo: "que calor faz", "me dê água", "sabe dirigir?", "fez-se de noite"...Entre as pessoas, ao lado de suas pessoas e das minhas, eu te disse "já é tarde", e tu sabias que eu dizia "quero-te"). Isso quer dizer que a linguagem pode ser a usual entre todas as pessoas, mas a comunicação se estabelece apenas quando dois seres intrinsecamente possuem algo que os une, pois a verdadeira comunicação se dá através do coração.

Vemos contudo pessoas que se dizem palavras, permanecendo, porém, incomunicáveis umas às outras. As consciências trancadas... Corações sem encontrar o contato necessário... E assim a vida vai passando e as pessoas presas em suas conchas, querendo mudar umas às outras, insistindo que o melhor idioma é o seu, desconhecendo, contudo, que suas palavras funcionam como um martelo na vidraça do outro.

É necessário dizer, também, que existem aqueles que se comunicam através do coração. Que apenas o movimentar dos olhos é o suficiente para se expressar além da insipidez do cotidiano. Que o encontrar coisas em comum trata-se, na realidade, do verdadeiro crescimento, onde os preconceitos são abandonados em benefício do próximo, e a pedra bruta vem, devagarinho, sendo lapidada. Pessoas em que sua comunicação se estabelece pelo Alto, porque sabem cantar em suas palavras a harmonia do superior; e quando dizem “hoje eu acordei cedo...” (ou qualquer coisa do gênero que sob outras perspectivas seria algo banal), sua mensagem vem carregada de vibração e essência. Para estes não existem barreiras, porque a melhor linguagem que existe para se comunicar é a que encontramos no coração do próximo.

Portanto, é uma ilusão dizer que estamos na era da comunicação, pois a verdadeira comunicação acontece na profundidade do caráter, enquanto as pessoas se movimentam na superfície. É improvável que qualquer comunicação se estabeleça entre duas pessoas que não se transformaram. As arestas impedem acharem algo em comum. A miopia não permite ver as semelhanças. O coração comunicativo é o azougue, que se funde no Ser Universal. Comunicar (com-UNI-car...) verdadeiramente une.

quinta-feira, setembro 28, 2006

Divan de Shams de Tabriz (Rumi)

Meu verso é como o pão do Egito:
a noite passa sobre ele e já não podes mais comê-lo.
Devora-o enquanto está fresco,
antes que o recubra a poeira do deserto.

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Se te apegas ao mundo,
como um sonho ele voa;
se foges, o destino cruel
cerca o espaço em que temoves:
nem calor nem frio
es capaz de reter,
e tudo que para ti floresce
em breve há de fenecer.

( .... "traduzo aqui o poema em que Goethe parafraseia Rumi, provavelmente a primeira homenagem - e ainda a mais ilustre - de um poeta ocidental à arte deste. O leitor poderá avaliar até que ponto conseguiu o poeta de Weimar captar a estética e a espiritualidade de Rumi, constrastando-o com os poemas do Divan de Shams de Tabriz que apresento.)

A Morte e o Amor

Lá onde nasce o verdadeiro amor
morre o "eu", esse tenebroso déspota.
Tu o deixas expirar no negro da noite
e livre respiras à luz da manhã.

Tradução: José Jorge de Carvalho

segunda-feira, setembro 25, 2006

CONTRASTES (2)

Hoje a vida me acordou mais cedo. Algo de juventude se segurou em meus pulmões, e as palavras, apesar de suaves, brandiam força e expectativas. Talvez pelo rigoroso plano que o Superior me reservou devido a minhas atitudes grotescas. Talvez por entender que não sou uma pessoa intrinsecamente má, apesar de carregar algumas maldades dentro do peito. O que importa, entretanto, é que existe, afinal, um alento.

(.......)

É muito comum hoje vermos as pessoas inconformadas com seus sofrimentos; ou melhor: inconformadas não, mas revoltadas! Revoltadas com sua situação, revoltadas com o próximo por estarem do jeito que estão. Revoltadas pelas ações que a vida insiste em perpetrar contra elas, em reflexo às próprias ações que elas fazem contra o amor, contra a lealdade, contra a fidelidade, etc.

Fazendo uma análise desapegada de emoções, o que posso dizer, senão que tenho, assim como essas pessoas, me decepcionado a mim mesmo? Que minhas potencialidades e minhas ações, de forma alguma condizem umas com as outras. Que insisto em estar aquém de mim mesmo. Mas, o que é pior, é que na maior parte das vezes não se consegue enxergar alguém que não esteja aquém de seus predicados, alguém que não sofra o medo extático de se proporcionar um vôo para além.

E por que as pessoas insistem em continuar com os padrões, insistindo em sobreviver quando podiam ser felizes? Como compreender que nos amesquinhemos, muitas vezes, e no momento em que o papel principal de nossas vidas se nos aparece, insistimos em ser coadjunvantes de nós mesmos?

(.......)

Acabo de receber uma pessoa que estava me entregando um documento, e me falou sobre o costumeiro hábito de: “ôxe! Setembro já ta terminando... e a gente nem viu, né?”. Eu respondi pra ele: “setembro está terminando, o ano está terminando, daqui a pouco a vida está terminando e a gente sequer deu por ela”.

Em minha experiência ouvi diversas vezes alguém dizendo: “ontem mesmo eu era uma criança; hoje já estão crescendo cabelos brancos em minha cabeça”. Pois ontem eu estava na praia (ainda sinto em minhas mãos a textura da areia descendo pelos meus dedos) e ontem, ainda, fazia construções arquitetônicas em areia (que os adultos insistem , ainda, em chamar “castelos”). Ainda sinto o vento brincar com as gotas de suor de minha testa, colando o sal em meu rosto. E quantos anos se passaram? Trinta? Trinta e cinco?

Quando, meu Deus, vou deixar de perpetrar os mesmos padrões? Até quando ficarei aquém de minhas possibilidades? Até quando não conseguirei dissolver-me em Vós, tal como aquele sal no vento oceânico que se colava em meu rosto? Até quando? Esta é uma pergunta para a qual não há resposta, pois a pergunta já é a resposta.

quarta-feira, setembro 20, 2006

PALAVRAS DO SUPERIOR PARA A ALMA

Enquanto medes, ó alma peregrina
A distância entre nós existente
Olha, primeiro, que luz vem do Oriente
E perceba, então, quem te ilumina.

Quem, vencendo tua descrença,
Tão intimamente a ti ligado
Que tens o interior iluminado
Com apenas a Sua presença.

Saiba que unidos estamos, Tu e Eu,
Superando esta dor que te magoa
Sabendo em ti que a Verdade é boa,
E que todo que a seguiu, aqui venceu.

Por isso, nestes abismos materiais,
Estou obrigado a viver contigo,
Construindo-te, muitas vezes, um abrigo
Através de ensinamentos imortais.

Oh alma, que crês sermos distintos:
Porque vives em pântanos banhada,
Pelas misérias da ilusão açoitada,
Vendo-te num imenso labirinto?

Saiba que sou a tua própria fonte
Que na verdade Eu sou tu, e tu és Eu
A luz que permeia teu horizonte,
O fim de todos os sofrimentos teus.

Por isso, enquanto insistes adejar
Num sofrimento que não tem fim,
Sentindo sem sentir, amando sem amar,
Saiba que tu mesma estás em mim.

E que enquanto vives a me buscar,
Eu estou em teu mesmo coração
Buscando com minha luz te ensinar
O caminho de tua própria salvação.

28/10/2005

Como o cruzar do aço...

Como o cruzar do aço das espadas,
Cruzemos, meus lábios com os teus;
O teu olhar no meu a mergulhar
Achando dentro de mim um deus.

Tua boca que traz uma palavra,
Uma oração que lavra meu ser,
Em um só tempo torna-me livre,
Agrilhoado em tua língua
Pleno de viver.

Cruzar meus olhos com os teus
Como se fossem herdeiros
Do habitar
Neste reino que vem de Deus;
Estes olhos verdadeiros
Venho adorar.

Teu viver que é minha semente,
Estrada de mim ausente
Sem meu caminhar.
Teu corpo, imponente beleza,
Que traz a mim a certeza
De te amar.

Porto Velho, 24/08/2006

AMIZADE

Quero ser teu peregrino de coração,
Ajoelhar ante o altar que tu és
Derramar meu amor em teus pés
E elevar-te a Deus numa oração.

Considero que esta vida caminhada
Nada é sem tua presença em mim,
Sem minha presença em ti, sem fim,
Sem objetivo, sem tua estrada.

Por isso aqui estou, em tua frente
Olhando teus olhos, calmamente
Sabendo que meu coração e o teu

Serão, na eternidade, dois viajantes,
E, no jardim do amor, dois visitantes,
Irmanados um no outro, tu e eu.

Porto Velho, 03/04/2006

DEPRESSÃO



Eu tive uma experiência com depressão durante três anos seguidos: dos 16 aos 19 anos. Foi uma época em que se instalou dentro de mim uma crise espiritual, em que comecei a questionar determinados aspectos de minhas crenças religiosas, inclusive a minha compreensão da Divindade (descrença, ateísmo, etc), profundamente influenciado pela minha educação católica (ou seja, pessoas mal preparadas para ensinar o que deve ser ensinado, sem ter nenhuma consciência do esotérico, da fonte da espiritualidade).

Dentro desta situação, chorava todas as noites pois o sentimento da morte tinha se estabelecido dentro de mim, e me sentia desligado de Deus (eu inclusive falava pras pessoas, nessa época, que pra mim já não era mais importante a sobrevivência após a morte, mas o conhecimento de Deus). Não tinha vontade de fazer as coisas. Era revoltado por situações de minha educação.

O rompimento com aquilo começou a acontecer aos dezoito anos, quando saí de minha casa e viajei para o norte do país. Em Roraima, no meio da floresta amazônica, fui lavrador (plantar e colher). Naquele momento, criou-se naturalmente uma disciplina (tinha que acordar seis horas da manhã, tomar café às 7:00, almoçar às 11:00, jantar às 18:00 e dormir 19:30, todos os dias), comecei naturalmente a compreender que a situação pela qual estava passando; que a minha incompreensão sobre a divindade advinha de um defeito de minha percepção, devido à minha formação materialista e extremamente racional (fruto de nossa época). Mergulhei profundamente neste sentimento, ou seja, dentro de mim mesmo. Bebi da taça de meus amargos questionamentos até o fim, até que fossem eliminados de meu interior.

Naturalmente, aos poucos, este sentimento de angústia, de prostração, foi desaparecendo, até que encontrei em meu interior, através de uma meditação, uma nova perspectiva da espiritualidade (que não dá pra explicar aqui, mas que me foi muito esclarecida pelos ensinamentos tradicionais que venho estudando, principalmente de Guénon).

Então, hoje, examinando estas situações, fica muito claro pra mim que só se iniciou este processo devido a uma falha minha de caráter. Primeiro, devido a falhas em minha família no sentido de me aproximar do espiritual de uma forma mais clara. Segundo, devido à própria educação cartesiana que temos nas escolas, que buscam o questionamento puro e simples, chegando ao absurdo de questionar o próprio questionamento (lembro-me perfeitamente que, quando entrei na faculdade de filosofia da USP, o Centro Acadêmico era anarquista, ou seja, não tinha presidente, nem secretário e nem tesoureiro! só havia uma mesa e as paredes pichadas com inscrições: "o CAF existe?").

Portanto, em minha experiência, dentro do laboratório de meu coração, entendo claramente que a situação pela qual passei foi de origem material, pois não conseguia fazer a conexão entre céu e terra, e a linguagem que utilizava no conhecimento não era o amor, mas a razão. E como a razão tem limites (e o Supremo Poder não os têm, é Infinito e Eterno), chegou um determinado momento em que percebi que esta razão não conseguia iluminar minha alma.

No entanto, pela minha falha de percepção, todo este processo havia que ser necessário no sentido próprio de cultivar dentro de mim a sede de Deus, pois racionalmente não era possível, em meu caso pessoal, superar e resolver aquelas contradições internas que eu cultivava, achando que eram religiosidade.

E, quando se pergunta e busca achar uma relação entre a depressão e uma pessoa que segue os ensinamentos espirituais de sua religião, com o sentido de buscar esclarecer, eu pergunto: será que não houve uma limitação racional no sentido do conhecimento instalado nesta pessoa quanto à sua própria religião (ou espiritualidade em todos os níveis)? Será que esta pessoa está seguindo sua tradição através do seu coração? Ou terá ela se resignando a compreendê-la através de seus processos cerebrais, da discursividade de seu próprio pensamento?

Paz a todos e um abraço.

domingo, setembro 17, 2006

Pode-se fazer comentário...

Uma pessoa me disse que estava querendo fazer comentários a respeito do que eu estava escrevendo, mas não conseguiu. Sinceramente, não havia pensado nessa possibilidade, mas abri a possibilidade de comentários, ok? Caso se interesse faça... Pra mim será uma honra.

Contrastes (1)


Quando a idade é tenra, as pessoas tendem a achar que nada mais é necessário mudar. Que suas tendências juvenis são, na realidade, convicções. E que o mundo já se encontra delimitado, junto com aquilo que deseja aprender.

Quando vejo hoje o que escrevia com dezenove anos, percebo que meus pontos de vista estavam bem abaixo daquilo a que deveria chegar. Atualmente, passados vinte anos, entendo que era apenas um início de minha caminhada, e se hoje posso me considerar um pouco mais maduro, isso se deve, é claro, ao entendimento de que sou ignorante. Naquela época, apesar de tudo em que eu acreditava, eu era ignorante de minha própria ignorância.

Contudo, apesar dessa auto-crítica antiga e atual, de mim mesmo enquanto adolescente e de mim mesmo na idade em que me encontro, não posso me decidir a amputar minha adolescência pois ela faz parte de minha mentalidade. Se hoje enxergo mais profundamente os desníveis de meu coração, tal percepção se dá devido aos erros cometidos, que eufemisticamente chamamos “experiência”. E para a existência do fruto maduro, houve a necessidade da semente, e que esta tenha imprimido no cerne da árvore todas suas características.

Hoje, vejo o quanto a vida está repleta de situações que entendemos complementares. E que, muitas vezes (nem sempre...) a recusa de vivenciar uma situação nos tiraria a profundidade do conhecimento de outra, mais profunda e importante. Luz e Sombra se entrelaçam em nosso ser e uma faz com que a outra seja realmente perceptível, trazendo à tona a beleza da assinatura de Deus. Quando comecei a compreender isso, percebi a realidade de que o Supremo Poder tenha construído a roseira com espinhos, apesar de todas as considerações que os botânicos e cientistas possam ter.

Recusar o contraste seria o mesmo que acusar nossa inteligência e condená-la ao vazio. Não é, ainda, neste mundo onde se transcendem os contrastes, mas no Superior.

Ilustrando bem a questão dos contrastes, certa vez cheguei à faculdade e observei um desconhecido conversando com outro na minha sala (nunca os tinha visto e nunca mais os vi; estas coisas parecem momentos em que a "máquina do mundo" se abre diante da gente para mostrar suas engrenagens). E ele dizia: "o conhecimento é como um balão; a superfície deste balão chama-se 'ignorância'. Quanto mais enchemos o balão, mais a superfície aumenta. Quanto mais conhecemos, maior nossa ignorância”.

Atualmente, parece que o balão está cheio, e o tamanho dele é indefinido. Porém, se antes utilizava, simbolicamente, meus próprios pulmões pra encher esse balão, hoje, ando atrás de uma agulha com o intuito de estourá-lo: a isso chamo síntese.

Poemas da imaturidade...

É interessante eu olhar estes poemas que escrevi na década de 80 (depois eu vou colocar outros da mesma época no blog). O quanto a vida se parecia com sua culminância, na época, e, no entanto, sequer eu havia subido meu primeiro degrau. O quanto tudo era tão intenso e tanto e, no entanto, minha ignorância me acompanhava onde quer que eu fosse, e a morte era sempre presente.

Parecem, na realidade, arremedos de poemas, muito inconsistentes. Mas, quando os olho, uma parte de mim está ali, algo que ainda se encontra vívido em meu interior, que não se resume apenas em lembrança, mas em força de viver. Deixar esta parte de lado é como se eu me mutilasse.

Hoje, quando vejo estes poemas antigos, cada vez mais enxergo minha ignorância. O quanto em nossa juventude achamos saber de todas as respostas. O quanto vemos, com o passar do tempo, que a ignorância aumenta na mesma medida que vc conhece (não mais aquela ignorância grosseira, mas uma que se insinua de forma sutil, na mesma medida em que nos afastamos de determinados valores juvenis). E o quanto a gente entende que o saber erudito enche, e o saber divino nos esvazia de nós mesmos.

A PEDRA

“Tenho passado a vida
espargindo silêncio
com meus olhos alheios.
Não traz a trágica alma
senão órbitas vazias perante a Sombra:
E ela é enorme, impassível,
obedecendo ao doce fado que é
acomodar-me dentro de Si”.


São Paulo, fevereiro 1985

CARNE DE SONHO (II)

Com estes olhos sou um cego
tendo imensa vontade de ver
o Teu deserto, meu jazigo,
Os quais sequer alcancei.

Quero construir um sonho
de minhas retinas gastas;
para além da carne existir,
dentro da Alma dos seres, ser.

Mergulhar em Teu conhecimento
embebido de Ti em meus lábios
forjando-me através da palavra.

Consagrando por miragem meu corpo,
escudo reforçado sem lamento:
existindo-Te sem me existir.

São Paulo, 31.12.85

CONSCIÊNCIA

São silenciosos meus passos
quando repreenchem
minhas pegadas:
Sinto-me culpado
como um relógio atrasado
incapaz de atrasar o dia.

São Vicente, 05.03.86

UM CORPO, UMA ESPADA...

Por tanto existir mesquinho
inclino-me a ficar prisioneiro
a ter liberdade divina
roubando-me de meu sofrimento.

Tanto quero existir dentro de meus ossos
dentro de meu próprio sangue,
dentro de meus átomos, com o mínimo útil de espaço,
que quanto mais me afogo e mais me afogo,
mais pareço retornar à tona de meu sufoco,
tal qual um peixe que respira
sem, contudo, querer partir de seu mundo
abandonando a liberdade conhecida da água
pela liberdade desconhecida da atmosfera.

São Paulo, 1987

Igor Silva

Um nome traduz aquilo que sou
recheando sua pele com meu ser.
Diz-me de minha face, de meus atos
eqüidistando alma e palavra
de um só marco do morrer.

Quisera socorrer-me destas dunas de letras,
labirinticamente incertas,
e levantar-me de suas campas num pródigo deserto
de nomes, de lábios, de estrelas.

Não bastará, porém, outro lugar
para acomodar este esquife aberto,
Este que é a solidão de amar
Pálidas areias num pálido deserto.

Mas caminhar neste campo-santo
desvela-me um sentimento forte:
das horas vou desvestindo o manto
superando a ampulheta da morte!

São Paulo, 1986

terça-feira, setembro 12, 2006

Uma mensagem sobre o amor e a vida...


Existe uma dificuldade em dizer "eu te amo" porque amar significa se comprometer com a vida e com o Universo. Por isso, para dizer "eu te amo" é necessário ter coragem. O amor é o bálsamo Universal, que cicatriza o passado e engendra o presente. Nada fica incólume ao amor. Aquele que o conhece pode se dizer renovado ou, até mesmo, renascido. Portanto, dizer "eu te amo" não é para qualquer um. É somente para aqueles capazes de se esquecerem de si mesmos, de seus egos, para buscarem frutificar no outro.

É também, devido a este fator de egotismo das pessoas, difícil fazer alguém feliz. Inclusive porque o caminho da felicidade é interior; não podemos fazer do outro o caminho de nossa própria felicidade, assim como não podemos colocar no outro esta responsabilidade que é nossa. E tal situação de infelicidade deve-se a estarmos adormecidos para a vida. Enquanto a felicidade (quando enxergada de dentro de nosso sono) é um caminho tortuoso, descobrimos a tristeza como um abismo diante de nós. No entanto, quando acordamos, despertamos para vida, vemos que flores e espinhos são naturalmente complementares uns aos outros, apesar de que devamos buscar o aperfeiçoamento em busca da florescência e não da dor. Mas, ainda assim, ao estarmos vivos, não podemos fugir da dor, e, dentro deste sentido, ao percebermos que dor e prazer fazem parte da existência neste mundo, devemos compreender que, enquanto a alegria frutifica, a tristeza, muitas vezes concebe o que há de vir.

Dentro desta perspectiva de busca do amor e da felicidade, outra das abordagens que geralmente fazemos quando estamos procurando internalizar esta experiência é quanto à fidelidade e à aventura. Mas, devemos questionar: O que é ser fiel? Quantas vezes fomos infiéis aos nossos princípios? Quantos de nós temos princípios? Numa balança, devemos sempre lembrar, o fiel sempre aponta para cima. Agora, não fosse o espírito de aventura, como Colombo chegaria a América? Fosse Colombo fiel ao preceito da terra quadrada, teria ele aportado no Caribe? Como se vê, existe relatividade nestas palavras, porque o princípio de toda a fidelidade deve estar no Superior, que se manifesta em nós através da Verdade, e não nas pessoas ou coisas.

Dentro deste mesmo sentido, de buscarmos relacionar o Superior com a manifestação neste plano onde vivemos, o Amor não pode ser objeto. Antes de tudo, o Amor é sujeito. Ou melhor: é acima do sujeito, pois vem do alto. Portanto, quem verdadeiramente ama, não ama alguém. Ama porque expressa a altitude de seu caráter. Ama porque compreendeu a vida, e não amar é perecer; não amar é obstruir o canal que ele próprio é da Essência, do Todo, do Superior. Portanto, para quem ama, nunca se perderá o amor. Quem ama não pode valorizar o amor, pois já é, em essência, o próprio Valor em si mesmo.

Porém, na atualidade, tais perspectivas se tornam mais complexas pela própria forma com que as pessoas levam suas vidas. A maior parte da humanidade caminha adormecida pelo tempo, olhando o ontem e o amanhã. Mas a vida chama-se "Hoje". O nome da vida é "Agora". E este agora é a própria eternidade. Este "agora" passeia em nossos corações, pedindo nosso reconhecimento e, muitas vezes, perece na inconstância de nossas atitudes, que busca tirar da vida apenas aquilo que está na superfície, enquanto a verdade está em mergulhar profundamente no mar, e buscar o tesouro esquecido em nosso interior. E sem esta perspectiva de entrega, de mergulhar, nós não conseguimos atingir os valores que expusemos até o momento.

Difícil enxergar que a vida é Eternidade, à qual chegamos através do coração.

Já nos ensinaram: o segredo da verdadeira felicidade é saber se contentar com pouco. O verdadeiro rico não é aquele que tem, mas aquele que não precisa ter, independente da quantidade de posses. Epicuro dizia que se alguém quiser aumentar sua riqueza, deve primeiro diminuir sua cobiça, pois a razão de todo sofrimento se encontra no desejo de ter, esquecendo-nos da Verdadeira Fonte de Tudo quanto há, que é o Ser.

E em nossa busca de Amor, Harmonia, Felicidade, tornamo-nos propensos a chorar, a sofrer, porque para muitos, devido a nossas próprias atitudes, a Graça está escondida. Mas quem tem a graça de estar vivo, ainda que chore, vive passeando neste imenso jardim, que é o Universo, apreciando as verdadeiras flores da vida, que somos todos nós.

A dificuldade, portanto, não está em ser feliz, mas em acreditar na dificuldade de o ser. Uma criança, em estágio de alfabetização, acharia difícil de ler este texto. Mas uma pessoa adulta acharia fácil. Onde está então a dificuldade? Dentro de nós ou fora de nós? Na realidade, não devemos exigir do exterior que nos compreenda e nos mantenha a verdadeira felicidade. Devemos, isso sim, ter a grandeza espiritual de compreender, de perdoar, de seguir em frente. De ter o coração limpo, como um receptáculo para a verdadeira benção, que provém do Pai. Assim nossa vida se transforma em bálsamo para toda a manifestação, e nossos corações serão unidos ao coração universal, sem mais fronteiras estabelecidas.