“nenhum homem é uma
ilha, que se basta a si mesma. Somos parte de
um continente; se um
simples pedaço de terra é levado
pelo mar, a Europa
inteira fica menor. A morte
de cada ser humano me
diminui, porque
sou parte da
humanidade. Portanto,
não me pergunte por
quem
os sinos dobram:
eles dobram
por ti.”
John Donne (séc. XVI)
Quando eu leio este poema, posso entender que
alguém não queira colocar a responsabilidade de sua felicidade nas costas de
outra pessoa. A responsabilidade sobre si mesmo é algo primordial a todo ser
humano. Afinal, eu lavro minha felicidade através de meus pensamentos,
sentimentos e palavras.
Contudo, entendo também que alguém possa
dizer que deve ter a mesma atitude na tristeza ou na alegria. Mas olho com
preocupação um pensamento muito em voga no mundo moderno no qual se diz que não
se depende de ninguém a felicidade de uma pessoa. Que podemos prescindir dos
outros como se fôssemos autossuficientes em nossas vidas.
Houvesse nesse pensamento, ou nessa forma de
se enxergar o mundo, uma palavra, ou uma menção, ao Poder Superior, eu poderia
concordar com ela. Contudo, quando alguém diz “decidi ser feliz como indivíduo”
– se esquecendo de dizer “Deus decidiu me fazer feliz”, mostra de forma muito
clara o desconhecimento de como são as coisas no plano espiritual.
Ninguém decide ser feliz tendo a felicidade
como um fim em si mesma. As tradições antigas dizem claramente que a benção vem
apenas e tão somente de Deus, e que a recepção de uma felicidade não é devido a
uma questão de escolha de ser feliz, mas a de ser escolhido dentre aqueles que
serão abençoados pela face divina neste caminho, porque há aqueles que sofrem
pelo amor a Deus, e este sofrimento é capaz de lhes trazer tal grau de
desprendimento que, consequentemente, faz com que eles alcancem alturas maiores
do que a própria felicidade. Ou se poderia, também, dizer que se transcenda a
própria felicidade, sem deixar de ser feliz.
A felicidade terrena é muito limitada. Esta
felicidade pode ser escolhida, mas é falsa. Por que deveria eu escolher a
felicidade terrena quando existe algo mais alto e inefável que é a meta que me
foi presenteada? “Busca o Reino de Deus e sua Justiça e tudo o mais lhe será
dado como acréscimo”. Onde está a palavra felicidade?
Se a pessoa soubesse qual é a origem da
palavra felicidade, não diria tal coisa. Isto demonstra uma ignorância no
dizer. A palavra felicidade vem do verbo “felare” (chupar).
Interessante, não? E por que os romanos escolheram tal palavra para designar um
estado de bem-aventurança? Porque eles imaginaram a suprema felicidade
simbolizada por uma mãe amamentando uma criança. Ou seja: a mãe em harmonia com
o filho ao dar, e o filho em harmonia ao receber.
Portanto, a própria origem da palavra
“felicidade” tem a imagem de duas pessoas(!), e não de apenas uma. Assim, pode
alguém ser feliz sozinho??? Mas da mesma forma me pergunto: pode alguém ser
feliz apegado a alguém?
O homem só pode ser feliz se abençoado pelo
Superior. E ele não escolhe isso. É arrogância, segundo meu entendimento, achar
que se pode ser feliz sozinho ou escolher ser feliz. O homem pode escolher
buscar o caminho da espiritualidade, buscar o caminho de Deus, como suprema
meta de sua vida. Sozinho pode-se chegar a alturas maiores que a própria
felicidade. Mas o sofrimento de qualquer homem me diminui. Isso é um ponto em
que toda humanidade se questiona, como se fosse um paradoxo...
Lembre-se dos exemplos dos Bodisatwas, os
Budas de Compaixão, em que em busca que trazer paz à humanidade se dispõem a
trabalhar e prol do engrandecimento de seu próximo. Muito claramente Jesus
também diz que o resumo dos dez mandamentos é “amar a Deus sobre todas as
coisas e amar ao próximo como a si mesmo”. E se não houver próximo, como
fazer?
Como solução a este aparente paradoxo de
felicidade, apego e desapego, existe um ensinamento budista que se chama
“caminho do meio”. Ou seja, nem totalmente tenso e nem totalmente frouxo, mas
na medida certa. Na busca de encontrar o caminho certo, não busquemos relaxar
nossos compromissos com o próximo, e nem afogá-lo com nossa insegurança e com
nosso apego a ele. O Caminho do meio passa por se entender que “nenhum homem é
uma ilha”. E que se fôssemos totalmente independentes uns dos outros, não
haveria sequer necessidade de pais, mães, filhos e filhas.
Existe um ponto em que o homem pode
prescindir totalmente do outro? Sim, quando compreender que o “outro” é
apenas uma ficção. Que não existe o outro, mas Deus e tão somente Deus
(namastê). Mas antes de compreender isso, a afirmação de que se é totalmente
independente do outro, ou totalmente dependente, pode soar à compreensão
como arrogância ou ignorância. Por isso: Luz, para iluminar a
compreensão; Paz, devido à fuga da ignorância e estabelecimento da Luz; Amor
para disseminar a Luz que recebeu e eliminar a ignorância em direção a Deus.